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  05/02/2024  •  Sociedade | Língua  •  233 hits  •  0 comentários ⇣

Palavras, pessoas e patrulhamento linguístico. Quem discrimina quem?

Como é bom ler um texto, não é mesmo? E como seria bom para toda a humanidade se, em todo o seu período de existência, a escrita estivesse sempre presente. Hoje, alcançamos um nível de alfabetização incomparável ao de alguns séculos atrás e, curiosamente, parte dessa mesma humanidade, parece não dar mais tanta importância a esse precioso recurso de informação. Mensagens de voz e de vídeo (que também são muito legais) tomaram em parte seu lugar. Mas, talvez, por esse descaso com a leitura, acabamos nos tornando mais susceptíveis às influências e com menos base para argumentações. 


Então, precisamos ler - e ler bastante para termos uma visão mais madura, mais aberta e "vacinada" sobre, pelo menos, uma parte, das coisas que nos cercam. 


E para auxiliar nesse amadurecimento, este artigo nasce para falar sobre nossa comunicação, sobre palavras e, especialmente, para tentar explicar porque estas não podem ser taxadas de preconceituosas (como erroneamente se passou a entender), não devendo, por isso, ser responsabilizadas pelas nossas posturas e atitudes. Desse modo, guarde seus escudos e filtros, vamos aproveitar que sabemos ler e vamos refletir juntos nesta leitura. 



      PARTE 1 - INTRODUÇÃO


A escrita 


A escrita, recurso tão vital para o desenvolvimento das civilizações, passou por um processo evolutivo durante milhares de anos e foi ela, até por sua própria natureza, que permitiu à humanidade um registro mais pormenorizado de suas atividades e criações. Isto possibilitou que nós, do futuro, pudéssemos descobrir (ou ter uma ideia), dentre outras coisas, em que pontos da história o homem passou a associar o "simples" ato de falar a uma forma que fosse mais eficiente de registrar seu próprio tempo. 


Segundo as fontes pesquisadas, os momentos mais próximos ao surgimento da escrita ocorreram entre os períodos 6.000 a.C. e 3.100 a.C. com as primeiras representações pictográficas feitas na região da Mesopotâmia (do grego mésos - meio e pótamos - rio)(1). Estas, porém, ainda não eram representações alfabetizadas. O alfabeto, ao que parece, surgiu, inicialmente, como um "protótipo" de outros que viriam depois - como o fenício e o grego - por volta de 2.000 a.C. no Egito. O grego teria se originado do fenício, acrescentando as vogais e, por sua vez, serviu de base para o alfabeto latino, que é o que utilizamos hoje. 


As palavras, então, passaram a ter uma forma visual, sendo escritas por meio de um alfabeto ou de logogramas, proporcionando às línguas (ou melhor, aos seus usuários) uma maneira extremamente eficiente de perpetuar e disseminar conhecimento. Alfabeto é um termo originado a partir da junção das duas primeiras letras do alfabeto grego: α (alfa) + β (beta) e logograma viria de logo (palavra) +  grámma (algo escrito, caracter, letra) também com origem no grego. 


A partir desse momento a nossa história humana passou a ser chamada de... história. Curiosamente, o período que antecedeu a escrita foi batizado de pré-história como se, antes disso, não tivéssemos existido e nem protagonizado todo o processo até chegarmos a ela (a escrita). Talvez, o termo correto pudesse ser: período (ou história) pré-escrita e período (ou história) pós-escrita, afinal, todo esse enorme intervalo de tempo que antecedeu a escrita acaba sendo história do mesmo jeito. Apenas não se tinha aí um registro adequado - e mais inteligível - dos fatos. 


A fala


Se para a história da escrita já é difícil se precisar datas, imagine para a da fala. A fala é a utilização oral de uma língua pelo indivíduo e se dá, primeiramente, no âmbito pessoal (só o indivíduo pode falar por sua própria voz) e é uma condição em que as palavras pronunciadas não tem nenhum registro gráfico/grafológico como acontece com a escrita, o que confere a elas um caráter volátil, assim, podem permanecer em nossa mente por um tempo, mas, se não forem registradas, se desfazem no ar. Não existe, por consequência, outra maneira de recuperá-las a não ser pela nossa memória (salvo quando utilizamos a tecnologia) e esta, inequivocamente, só pode existir enquanto estivermos vivos. 


Cientistas defendem que fatores como o desenvolvimento dos sistemas neurológico (cérebro e nervos) e respiratório (pulmão, faringe, laringe), além do formato da língua, proporcionaram ao homem a possibilidade fisiológica da fala, sendo que o grau de desenvolvimento dessas características poderia, possivelmente, ser detectado nos fósseis de nossos ancestrais. Essa informação, então, nos daria uma ideia de quando a fala surgiu (alguns defendem que foi há uns 500 mil anos, outros, "apenas" há uns 40 mil. Ou seja, uma coisa bastante "precisa").


Outro fator que ajudaria a supor a época de seu surgimento são os achados de civilizações mais antigas tais como pinturas em cavernas, ferramentas manufaturadas diversas (em pedra ou ferro), objetos de arte/artesanato, engenhocas, etc., que, a depender do grau de sofisticação, poderiam sugerir que essas coisas só teriam sido desenvolvidas em grupos humanos que utilizassem uma forma de comunicação mais estruturada, ou seja, verbalizada (mesmo que não tão complexa como as línguas de hoje). Sem essa comunicação mais avançada, seria complicado se instruir alguém sobre alguma coisa apenas com gestos, resmungos e expressões faciais. Precisaria haver algum recurso oral mais evoluído e que funcionasse em comum acordo com seus utilizadores. Em resumo, teriam que existir palavras. Palavras que pudessem ser memorizadas em sua fonética (com ordenação fixa de fonemas/sílabas para cada uma) e que semanticamente fizessem sentido para os habitantes de um mesmo local (simbolizando a mesma coisa para todos).


Enfim, um nível de comunicação mais arrojado só poderia acontecer a partir da fala e da consequente invenção da escrita - e são estas duas criações maravilhosas que permitem hoje que a gente ligue um computador, acesse um site e leia um ótimo texto sobre fala, escrita, palavras, pessoas e patrulhamento linguístico. 



      PARTE 2 - A LÍNGUA 


Língua, linguagem e comunicação 


Língua, na essência, é uma forma verbal de linguagem e linguagem, por sua vez, é toda forma de comunicação entre indivíduos (ou até entre pessoas e animais ou entre pessoas e máquinas) e que utiliza diversos tipos de signos como os linguísticos (palavras e interjeições), além de pictogramas, ideogramas, gestos e expressões faciais, etc. Por fim, comunicação é a ação de transmitir (e receber) uma informação através de uma linguagem qualquer (com gestos ou palavras) para um receptor qualquer (uma pessoa, uma multidão, animais, computadores...). 


Línguas e linguagens têm um caráter estático. Elas existem na mente dos indivíduos (ou em escritos e representações gráficas [ou até em áudios e vídeos]) numa condição latente. Elas só se tornam dinâmicas quando alguém interage com outros indivíduos ou coisas utilizando-as (as linguagens), momento em que é estabelecida, aí, uma comunicação. 


A despeito de que a língua pertence ao âmbito da linguagem, as linguagens em geral (que não a língua) são mais restritas e direcionadas a um público mais específico. Enquanto que no Brasil mais de 200 milhões de habitantes falam a língua portuguesa, as outras linguagens atingem um contingente de pessoas muito menor, como, por exemplo, a notação musical, as linguagens de programação e os sinais de trânsito. 


Para ser uma língua de fato, uma linguagem precisa estar subordinada a regras gramaticais (como a sintaxe) que fazem com que ela exista em cima de uma lógica própria. Assim é a nossa língua oficial nacional (o português brasileiro), assim são as línguas indígenas e, também, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)(para surdos). Já o Braille, mesmo que pareça, não é uma língua nem uma linguagem, mas um sistema tátil que permite aos cegos/deficientes visuais ler textos escritos em uma língua qualquer, seja nacional ou estrangeira. 


Gramática 


gramática é um conjunto de regras pertencentes a uma língua que permite que o indivíduo se comunique de maneira inteligível e, também, compreenda o que os outros querem dizer. Quando transformada em livro se torna a Gramática Normativa e tem como função prescrever o uso correto de uma língua para que nós, os falantes, possamos exercer nossa comunicação sem obstáculos em seu funcionamento e, é tida, por seus autores, como o guia obrigatório que nos permite falar nossa língua de maneira padronizada e compreensível por todos. É ela que nos ensina o que é um artigo, um sujeito, um predicado, um verbo, um substantivo, etc., e é extremamente útil quando precisamos entender, por exemplo, como conjugar os verbos corretamente. 


A gramática, a despeito de sua utilidade, tem sido objeto de crítica pelos linguistas porque, ao invés de privilegiar sua função mister que é trazer regras e sugestões para o bom uso da língua acompanhando, na medida do possível, sua evolução natural, tem funcionado já de muito tempo como um veículo determinista (inclusive, de coisas que nem usamos mais como o pronome vós) e censor no que diz respeito a outras possibilidades de variações línguísticas gerando em nossa cabeça o que se entende por preconceito linguístico (que será abordado mais abaixo), pois somos ensinados a entender que só o que está na gramática é o que pode ser linguisticamente válido. Para não falar que se torna enfadonha quando pormenoriza demais e nos obriga a aprender por anos a fio coisas como a tão temida análise sintática - fazendo-nos decorar termos que nunca utilizamos em nossa comunicação do dia a dia. 


Mas mesmo sendo um grande guia, é fato, também, que não precisamos dela para aprender a nos comunicar. Como comenta BAGNO (2015, p. 58) "Está provado e comprovado que uma criança por volta dos 7 anos de idade já domina perfeitamente as regras gramaticais de sua língua. Ela tem todos os recursos necessários para se exprimir, para narrar fatos ocorridos no passado, para fazer projeções no futuro, para demonstrar afetividade, para situar o seu discurso nos eventos de interação".


Em resumo, as lógicas gramaticais podem ser aprendidas de maneira intuitiva, como fazem as crianças, por exemplo, sem que seja preciso compreender o que é um artigo, um adjetivo e uma preposição - da mesma forma como fazem os analfabetos, que se comunicam sem ter a menor ideia do que significam (e sem saber que existem) todas aquelas regras (e exceções) que compõem nossa gramática normativa e, da mesma maneira como, provavelmente, fizeram os falantes das línguas antigas quando ainda não se tinha inventado a escrita. 


Imagine, então, o que seria da criação da fala se, numa hipótese inversa, tivesse antes que existir a gramática? Até hoje estaríamos tentando acender uma fogueira com duas pedrinhas...


Semântica e sintaxe 


Semântica diz respeito ao estudo do significado das palavras - mas não apenas o significado isolado (como se ele bastasse por si mesmo), mas como também este pode variar dependendo do contexto em que se encontra: 
• Numa frase como "Odeio ratos!", dá para se entender que está se falando (de uma maneira negativa) de uma espécie de mamífero roedor doméstico. 
• Já na frase "Aquele cara é um rato de biblioteca!", percebe-se que se quer dizer (sob uma ótica positiva) que aquela referida pessoa costuma ir com frequência a uma biblioteca, sendo, presumivelmente, um sujeito culto. 


Dá para constatar, então, que nem sempre um mesmo termo significa a mesma coisa em composições frasais diferentes, podendo, portanto, ter conceitos completamente distintos e até alternar de sentido (se é negativo ou positivo) a depender do que se quer expressar. 


Já sintaxe, diz respeito a como os termos se relacionam dentro de uma ordem lógica numa oração e é quem determina que num trava-língua como "O rato roeu a roupa do rei de Roma" a gente consiga depreender o sentido, desde, é claro, que conheçamos o significado de cada termo dentro dela. Desordenada sintaticamente, ela poderia ficar algo como "Roma o roeu do rato a roupa rei de". Nesse caso, você pode até tentar reconstruir a oração e reinterpretá-la da forma apropriada mas porque você é capaz de reorganizar as palavras (já que conhece seus conceitos) para encontrar um sentido mas, com certeza, não conseguiria o mesmo com outras frases mais complexas e desconhecidas. 


Desse modo, a sintaxe junto com a semântica, são recursos linguísticos importantes que permitem que estabeleçamos uma comunicação fluida e correta com nosso interlocutor. 


A semiótica e o signo linguístico 


semiótica é a ciência que estuda os signos - do grego sêmeion (signo/sinal/marca) + óptikos (relativo à visão). O termo foi cunhado pela primeira vez em 1676 e tem como seus maiores representantes Ferdinand de Saussure e Charles Sanders Peirce


Um signo linguístico (que não tem nada a ver com os signos do Zodíaco) pode ser entendido como uma unidade portadora de sentido que é constituída, segundo Saussure, de um significante e de um significado (pela ótica de Peirce, ainda seria acrescida nessa relação o elemento interpretante). Tentando ser mais claro, imaginemos, por exemplo, a palavra rato (do trava-língua lá de cima): se escrita, é uma imagem visual e, se falada, é uma imagem acústica, mas as duas representam o mesmo substantivo rato. Desta forma, a palavra (escrita ou falada) rato representa (dentro do conceito de signo linguístico) o significante e o animal real representa o significado


O termo rato, dentro dessa ótica, nada mais é do que um elemento que, por uma convenção aleatória, nos reporta à imagem daquele animalzinho que tem o rabo comprido, chia e, de vez em quando, entra em nossa cozinha para comer nossos biscoitos, e cuja relação significante x significado só acontece em nossa mente porque assim fomos ensinados. Logo, podemos concluir que a conexão entre a palavra rato e o animal real é uma relação totalmente arbitrária pois nada pode provar que um rato se chama rato porque existe um motivo fundamentado para isso. Apenas aprendemos que quando falamos rato estamos nos referindo ao pequeno (e odiado) roedor. Resumindo: "O laço que une o significante ao significado é arbitrário ou então, visto que entendemos por signo o total resultante da associação de um significante com um significado, podemos dizer mais simplesmente: o signo linguístico é arbitrário (SAUSSURE, 2012, pág. 108)". 


Mas veja, ainda, que além do termo rato não ter um motivo concreto para representar o animal de verdade, as próprias letras que constituem a palavra não tem também nenhum motivo justificado para ter as pronúncias (fonemas) que nós decoramos. Perceba que, em português, os grafemas "r, a, t, o" se pronunciam "érre, á, tê, ó", enquanto que, em inglês, pronunciam-se "arr, êi, tchí, ou". Todas as duas pronúncias estão certas para suas línguas de origem e, ao mesmo tempo, estão possivelmente erradas para outras línguas que não sejam as suas pois cada língua tem a sua própria convenção de pronúncia. 


Então, podemos concluir que, dentro de uma relacão entre um significante e um significado, se esta (a relação) é uma coisa de caráter arbitrário, vale dizer que as palavras simbolizam para nós o que determinamos para elas baseados apenas em nossas decisões, tornando-nos, portanto, os únicos responsáveis por essa relação. 


Norma-padrão, norma culta e o preconceito linguístico 


A norma-padrão é a padronização da língua estabelecida pela gramática normativa e que obedece a critérios de fala e escrita muito rígidos. Já a norma culta é aquela variante linguística falada pela população de maior prestígio social (que vai da classe média até a classe rica) e que, em virtude de sua condição econômica, teve mais possibilidade de acesso à educação formal. Esta (a norma culta) é a variante linguística que mais se aproxima da normatização da gramática (a norma-padrão). 


Perceba que a chamada norma culta, não é exatamente um padrão de língua que espelha à risca o que a gramática determina, mas é a forma (falada e escrita) mais próxima. Pessoas que dominam a norma culta, além de naturalmente serem (pelo menos em sua maior parte) pessoas de nível econômico melhor, assumem, por vezes, uma postura crítica em relação à parcela economicamente inferior da população pelo fato de esta não "dominar bem" a língua nativa. Na verdade, essas pessoas todas conseguem se expressar de forma relativamente eficiente em sua comunicação mesmo não tendo vocabulário mais rebuscado. Mas justamente por causa desta "deficiência vocabular", acabam sendo motivo de deboche e, por vezes, de um preconceito que pode redundar em exclusão social - em situações como, por exemplo, o pleito a uma vaga de emprego. 


É lógico que a exclusão social se dá por diversos outros fatores. Seria ingenuidade achar que o simples fato do não conhecimento de certas palavras e regras gramaticais determina a posição de alguém na sociedade. Mas a baixa escolaridade do indivíduo, nesse caso, poderia impedí-lo de conseguir uma ascensão social melhor por este não ter formação de nível superior. E quanto menos escolaridade, implica dizer, também, menos tempo e menos diversidade no acesso à leitura e, em consequência, maior dificuldade para estudar por si lendo textos mais complexos ou para assistir a vídeos e programas de TV que se utilizem de linguagem mais sofisticada. 


Segundo BAGNO (2015, p. 101) "...para que as pessoas possam ler e escrever bem, elas têm que ler e escrever, ler e escrever, ler e escrever, reler e reescrever, rerreler e rerreescrever...". Em resumo, se o cidadão têm menos tempo de acesso ao estudo e se a própria escola não faz da leitura e escrita um hábito (obrigando-o, ao contrário disso, a aprender coisas inúteis para sua vida prática como a análise sintática), como esperar que este falante se interesse pela escrita? 


Some-se aí o fato de que parte das pessoas é relativamente displicente com a língua, o que inclui indivíduos de todos os níveis escolares. E mesmo que tenham tido treino de leitura e escrita em sua vida educacional, ainda encontramos aqueles que "deslizam no português" (a ponto de escreverem "voçê" [com "C cedilha"] e ainda passarem a impressão de nem saber que existem os sinais de pontuação) e que não se dariam ao trabalho de se especializar mais porque se já "chegaram lá" sabendo o que sabem (leia-se indivíduos comuns de classe média e outros de rápida ascensão social como esportistas, artistas e digital influencers), melhorar para quê? 


E, para finalizar, é vero que quando vemos nossos colegas de trabalho trocando, por exemplo, tempos de verbo como em "Eu saí da sala (pretérito perfeito)" por "Eu sair da sala (infinitivo)", acabamos debochando deles por isso, sugerindo que têm algum tipo de deficiência que os impediria de escrever corretamente uma coisa tão simples. Mal nos lembramos que, como não sabemos tudo, em algum momento poderemos cometer algum "erro" que os outros, posteriormente, também vão debochar. 



      PARTE 3 - O PATRULHAMENTO LINGUÍSTICO 


O poder digital 


Por volta de 2004, com o lançamento do Orkut e Facebook, as pessoas passaram a ter um novo meio de se relacionar. Criadas inicialmente - até onde eu sei - para funcionar como um ponto de encontro (e reencontro) de velhos amigos, as redes sociais acabaram, depois de certo tempo, sendo aproveitadas pelos usuários como forma de promoção de si mesmos, de suas atividades e, também, como veículo de reivindicação. Os utilizadores, no final das contas, é quem são os responsáveis por moldar o propósito fim deste tipo de veículo. Assim aconteceu com os blogs, assim foi com Orkut e Facebook, assim foi com o Twitter (hoje X) e vai continuar sendo com qualquer sistema em que as pessoas possuam certa liberdade de interação dentro dele. 


A despeito que a web se mostrou uma grande fonte de conhecimento saudável, é certo também que passou a ser utilizada como saída fácil para posicionamentos fortemente ideológicos, tanto à direita quanto à esquerda. Nas duas últimas eleições para presidente (2018 e 2022), inclusive, fomos espectadores de um festival de mentiras e barbaridades veiculadas e sendo repostadas em blogs e redes sociais. Foram momentos vergonhosos de nossa história capitaneados por gente com bastante inteligência e, ao mesmo tempo, sem escrúpulo algum e que mostraram do que uma mente mal intencionada é capaz. 


Mas, enquanto que a direita é caracterizada pelas posturas conservadoras (e, por vezes, preconceituosas), a esquerda tem viés progressista e de caráter mais libertário (no que diz respeito a diferenças humanas e direitos). Nenhuma das duas é perfeita (por mais que alguém possa crer nisso) e nada impede que parte de seus públicos seja utilizado como massa de manobra (como de fato acontece) - e isso não é nada bom. 


Assim, para que evitemos cair em armadilhas criadas dentro do grupo ideológico do qual fazemos parte (ou que, simplesmente, temos afinidade) é preciso ter conhecimento e, para isso, é necessário estar informado sobre coisas diversas, o que exige tempo e dedicação. Sem conhecimento, aliás, não há astúcia que se sustente, portanto, não basta convicção: é preciso informação. 


Uma arma(dilha) chamada Etimologia 


A Etimologia, ciência que me acompanha desde a adolescência (mesmo que, à época, eu não tivesse a menor ideia disso), sempre me despertou curiosidade no sentido de que, através dela, eu poderia saber o que significavam os termos que compunham certas palavras do cotidiano (tais como biologia, por exemplo: do grego bios [vida] + lógos [estudo] + o sufixo ia) além de nomes científicos de animais, que era algo que eu estudava muito.


Mais tarde, porém, eu fui entender que o que um termo significava dentro de uma palavra, não se refletia da mesma forma em outra, assim, o lógos do final de biologia (que quer dizer "estudo, aquilo que versa, aquilo que trata") significava, ao mesmo tempo, "palavra" no início de logotipo. Foi possível deduzir, então, que as palavras resultantes de uma combinação de dois ou mais termos (mesmo que parecessem os mais adequados para a função no momento em que foram criadas) não devem ser interpretadas de forma literal simplesmente pelo fato de que esses termos componentes podem não representar corretamente a impressão que temos sobre eles. 
• Exemplo
Os protozoários (do grego: prôtos [primeiro] + zôon [animal] + o sufixo ário), que antes pertenciam ao reino animal, hoje, são classificados dentro do reino Protista por se entender que existem muitas diferenças entre os seres deste e os do nosso reino (que é muito mais evoluído). Assim, o reino animal (ou animalia ou metazoa (do grego: meta [depois] + zôon [animal])) engloba, agora, apenas seres pluricelulares e que vieram depois dos protozoários (que são unicelulares), tais como o nosso famigerado amigo rato, portanto, mesmo tendo o termo zôon em sua morfologia, estes, os protozoários, não são considerados animais (como se entendia antes - e que é o que se deduz quando se vasculha sua etimologia). 


Deste modo, ao buscarmos a etimologia de uma palavra, devemos tê-la apenas como uma curiosidade, uma amiga que nos auxilia na compreensão do que se queria dizer na época de sua criação (da palavra) - e, mais ou menos, quando isso aconteceu -, porque o que deve importar para nós falantes, de fato, é meramente o que as palavras denotam para nós hoje (que pode ser o resultado, inclusive, de um processo de ressignificação). 


Mas por um equívoco de interpretação, passou-se a entender que a etimologia poderia ser utilizada como arma para se liquidar certos vocábulos que usamos e, assim proporcionar uma "limpeza linguística" em nosso idioma para que, desta forma, reduzíssemos (ou, até, anulássemos) os preconceitos que são "transmitidos" através de nossa comunicação (que, no final das contas, é uma responsabilidade de quem se manifesta e não das palavras em si). 


Essa ideia estapafúrdia acabou gerando o que pode ser chamado de "patrulhamento linguístico" que é justamente a tentativa de invalidar palavras que já têm seu uso consagrado na língua, e que, normalmente, permitem uma comunicação correta e isenta de problemas (como o preconceito que se supõe dentro delas) mas que, para a visão de alguns, devem ser simplesmente eliminadas. 


Patrulhando nossa língua mater


Patrulhamento linguístico é um termo ainda não muito difundido e, por isso, é difícil encontrar nos resultados de busca algo que o especifique de forma mais clara. Mas aqui, eu o defino como a rejeição (ou a negação ou o repúdio) que nós, humanos, nutrimos para com determinados vocábulos de nossa língua nativa pelo fato da impressão que temos sobre eles. Obs.: falo da língua nativa porque é aquela que temos intimidade. Isso nos possibilita uma postura crítica em relação a alguns de seus aspectos, diferentemente das outras que, pelo fato de não termos esse entrosamento, ficamos sem propriedade suficiente para questionar suas particularidades. 


Mas ao contrário do preconceito linguístico, que funciona de pessoas para pessoas (na condição de que o indivíduo que discrimina define para si a postura que deve ter em relação ao outro em virtude da variante linguística utilizada por este), o patrulhamento linguístico parte de pessoas para palavras e tenta definir a pertinência de um determinado vocábulo dentro de uma língua pelo fato do que este pode simbolizar de negativo para os outros falantes dessa mesma língua. Um termo similar a esse seria o "patrulhamento gramatical", que é o que ocorre quando se tenta invalidar palavras e construções sintáticas entendidas como erradas tomando-se por base a norma-padrão (mas isso está fora do foco deste artigo). 


O patrulhamento linguístico (ou lexical ou vocabular), portanto, está intimamente relacionado à condição de determinados termos possuirem acepções supostamente pejorativas (que, segundo nossa impressão, podem ter se originado de algum tipo de preconceito) - ou, em outras palavras, se relaciona ao próprio significado do vocábulo em si, mesmo que não se tenha uma noção precisa sobre o motivo que o construiu. Para o vocábulo estigmatizado, logicamente, não faz diferença alguma ser alvo de qualquer tipo de exclusão, afinal, ele não sente - ao contrário do que acontece conosco. O problema está em como a gente percebe este vocábulo, como a gente acha que as pessoas o perceberiam e, em consequência, o que nós devemos fazer em relação a isso - ou seja, se nós podemos mantê-lo em nosso léxico ou se devemos, simplesmente, aniquilá-lo. 


Lembro que não é preciso ser especialista para se discutir sobre nada, pois, se assim fosse, pessoas das classes mais humildes só teriam o direito de abrir a boca para comer, pois por terem pouca instrução escolar, automaticamente lhes seria negado o direito à fala - e isso cairia na condição do preconceito linguístico. Mas, sem dúvida, é importante estudar sobre os temas que discutimos, caso contrário, além de corrermos o risco de ser influenciados por quem tem mais base e poder de persuasão, nossa argumentação fica frágil se calcada apenas em suposições e impressões pessoais, e isso não é bom, mesmo que a intenção seja a de tentar promover algum tipo de reparação social. 


A cartilha do TSE 


Em março de 2022 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou uma cartilha intitulada "Expressões racistas: por que evitá-las" em versão PDF, para download (cujo link do TSE se encontra aquiNeste outro link está um backup da versão original)(1). Por favor, leia a cartilha antes de prosseguir. Esta publicação procura trazer uma série de palavras e expressões que utilizamos no português brasileiro que, segundo seus autores, são preconceituosas e, por isso, não devem ser mais utilizadas. A versão que li tem 40 entradas, entre termos e expressões, e dedica, em média, duas páginas para cada uma trazendo, em cada entrada, citações, referências e considerações etimológicas, misturadas à explicação em si do porque da necessidade de se evitá-las. 


O objetivo da cartilha, como o próprio nome sugere, é impedir a propagação do preconceito racial, como fica claro no conteúdo, através da eliminação de determinadas palavras e expressões que foram criadas (ou ressignificadas) no decorrer da história de nossa língua. 


A atitude é louvável, afinal, preconceito é ruim e ninguém gosta de ser vítima dele. Mas, por mais que eu esteja de acordo com a ideia de se tentar banir ou, pelo menos, minimizar o preconceito e, consequentemente, a discriminação, não dá para concordar que é através da eliminação de palavras que iremos fazer isso.
Explico logo abaixo: 


Das 40 entradas apresentadas na cartilha, 30 são expressões ou frases e 10 são palavras simples ou compostas. Como eu mesmo já comentei em outro artigo, palavras e expressões, não devem ser tratadas da mesma maneira. Expressões e frases geralmente encerram ideias prontas ao passo que palavras ou termos isolados possuem um significado que pode se alterar a depender do contexto em que se encontram - às, vezes, até bastante. 


Em orações como "Chupei uma manga ontem", "manga de sua camisa está suja" e "Ele manga de mim", o termo manga apresenta três significados totalmente distintos entre si. E a palavra manga não pode ser proibida só porque alguém manga (zomba, troça, debocha) de alguém em alguma circunstância qualquer. O termo manga nas duas primeiras situações não representa nada de ruim (ao contrário da terceira) e isolado de um contexto já não tem um significado fixo. Portanto, o que as palavras representam pode variar dependendo do contexto, além de época e interpretação pessoal. 


Mas se eu falo frases do tipo "Te odeio!" ou "Eu detesto você!" consigo expressar a mesma coisa, com palavras diferentes e que são completamente "permitidas" dentro de nossa língua e para as quais não há, absolutamente, nenhuma possibilidade de se tornarem estigmatizadas. Perceba ainda que: minha suposta rejeição partiu da impressão que tenho sobre você - sem que fossem necessárias palavras para estruturar esse sentimento - e a expressão dessa rejeição aconteceu, agora sim, através da utilização de palavras, sendo estas totalmente autorizadas no léxico porém, escolhidas especificamente para esse fim - e o controle sobre essa situação foi totalmente meu


Voltando à cartilha, das diversas expressões e frases apresentadas, estas listadas aí abaixo eu concordo que se deva rejeitá-las, afinal, é impossível negar que carregam uma forte carga de preconceito:  "Barriga suja", "Cabelo ruim", "Chuta que é macumba!", "Cor de pele", "Dia de branco", "Disputar a negra", "Galinha de macumba", "Inveja branca", "Mulata tipo exportação", "Não sou tuas negas!", "Nasceu com um pé na cozinha", "Nega maluca", "Negra com traços finos", "Negra de beleza exótica", "Negro de alma branca", "Preto de alma branca", "Quando não está preso está armado", "Samba do crioulo doido", "Serviço de preto", "Teta de nega", "Volta pro mar, oferenda!". Algumas como "Preto de alma branca" e "Pé na cozinha", por exemplo, dão até arrepios e, na minha opinião, não precisariam nem de justificativa para sua exclusão. 


Para os outros termos, se fazem valer algumas considerações:


• Feito nas coxas: expressão utilizada já de muito tempo e que se refere a alguma coisa feita por qualquer pessoa de modo apressado e que não resulta em algo bem acabado. A cartilha do TSE apresenta três possibilidades de origem da expressão, mas sem dar certeza de nenhuma. Não dá para enxergar nela alguma possibilidade de discriminação a não ser o repúdio ao próprio resultado do serviço de alguém que não soube executá-lo. Independentemente disso, me parece que relacionar a expressão com sexo interfemoral (que não é, necessariamente, uma coisa mal feita, mas uma outra opção de prazer) soa meio forçação de barra. 


• Meia-tigela / de meia-tigela: outra expressão que já conhecemos pelo conceito desde novos e que não fazemos nenhuma relação com escravidão (se ela realmente teve essa origem, como propõe a cartilha em uma das três possíveis explicações) quando nos utilizamos dela. Apenas entendemos que uma coisa de meia-tigela é algo com pouco valor. 


• Criado-mudo: palavra composta cuja origem é bastante controversa. Segundo algumas fontes, pode ter vindo do inglês, a partir da tradução de dumbwaiter (algo como garçom burro ou coisa do tipo) que é um móvel utilizado ainda hoje e que serve para se colocar objetos em restaurantes ou, ainda, um elevador de transporte de alimentos usado também em restaurantes (informação, inclusive, constante na cartilha). Aparentemente, este termo passou a se utilizado a partir do século XVIII - pelo menos é o período em que, segundo as fontes, os dicionários começaram a registrá-lo.
Criado-mudo divide opiniões: enquanto alguns defendem a ideia de que no período da escravidão brasileira, alguns servos eram usados em uma função análoga à de um móvel: "Era uma prática utilizada por alguns senhores [escravistas] que pediam a um escravizado para ficar ao lado da cama, em pé, para, a qualquer momento, servir ele. Enquanto permanecia na posição, ele não poderia falar nada. Caso se mexesse ou falasse era punido, por exemplo, com perda da língua. (Hilário Ferreira - Professor Serviço Social da UniAteneu)". No entanto, essa história é contradita por outras fontes. Para Thiago André do "História Preta" "Dentro do meu campo de conhecimento, a origem que é dada para esse termo é muito pouco provável, bem remota que essa palavra tenha surgido como está sendo contada" e para Maurício de Souza Neto, mestre em Língua e Cultura pela UFBA, "...não tem na literatura histórica uma fonte fidedigna que dê conta de pessoas que ficavam segurando copos de água ao lado da cama para seus senhores.segundo explica nesta matéria. Realmente, é estranho pensar que seria preciso um ser humano para ficar segurando coisas como uma jarra ou copo d'água, atrapalhando a intimidade dos patrões (em uma conversa com amigos ou no momento de dormir), quando este poderia ser aproveitado em outra tarefa e esta, em específico, poderia ser feita por um simples móvel de madeira como uma mesinha, ou, como preferirem, um móvel de cabeceira


• Boçal: segundo a cartilha "Durante o período escravocrata, o termo era empregado para designar pessoas escravizadas que não sabiam falar português.". O Michaelis online confirma essa explicação. Já o OrigemDaPalavra sugere que o termo viria do italiano bozza, "pedra grosseiramente talhada". Este é um termo que aprendi desde pequeno e que, conforme me ensinaram, estaria relacionado a uma pessoa pedante, "metida a besta" por se achar melhor do que as outras, mas não a uma pessoa rude por falta de cultura ou intelecto (que é a explicação dada na cartilha e que prevalece em outros dicionários online). Mas confesso que nunca vi alguém conseguir fazer algum tipo de relação racista se utilizando do termo.


• Inhaca: "Inhaca é uma ilha localizada na baía de Maputo, em Moçambique..." e "...também um monarca, um líder moçambicano.", conforme informação constante na cartilha. Mas segundo outras fontes, o termo Inhaca (que também pode ser escrito Nhaca, que foi como eu aprendi há mais de 40 anos) pode ter se originado de Iakwa, da língua Tupi (ao invés de algum idioma africano), e cujo significado seria "algo com cheiro forte" - explicação essa que parece mais plausível pelo fato da possibilidade de o termo já ter sido criado aqui e por já possuir uma relação com cheiro (sem que, para isso, fosse preciso se fazer uma associação subjetiva de uma coisa com outra). 


• Macumbeiro: é consenso geral que macumbeiro e a própria palavra que o originou (macumba) têm uma forte conotação pejorativa aqui no Brasil (afirmo isso por experiência própria - nós brasileiros, em geral, sempre fomos bastante ignorantes em relação a esses dois termos, daí alimentarmos um preconceito que a gente entende, hoje, que não faz sentido). De acordo com a Wikipedia e a própria cartilha o termo macumba é utilizado, também, para designar genericamente religiões de matrizes africanas por aqui como candomblé e umbanda. Macumbeiro, em princípio, se refere a um tocador de um instrumento musical de origem africana chamado, logicamente, macumba, semelhante a um reco-reco (que também é de origem afro). Segundo Rodney William, babalorixá e antropólogo, em entrevista para o UOL, explica, dentre outras coisas, que "Tudo tem sido ressignificado e hoje o povo de terreiro diz com orgulho que é macumbeiro, da mesma forma que o pertencimento à raça negra tem sido exaltado", mas que "A palavra macumba já foi ressignificada entre nós, mas é melhor que seu uso para se referir às religiões e tradições de matrizes africanas fique restrito aos adeptos". Então, pelo que deu para deduzir, os termos macumba macumbeiro podem ainda ser utilizados (desde, é claro, que se evite a intenção pejorativa) por já estarem passando por um processo de ressignificação - o que, na minha opinião pessoal, representa uma vitória da população negra sobre a preconceituação do branco em cima destes termos. 


• Estampa étnica: o termo pode fazer referência a padronizações oriundas de países e locais diversos como Japão, Índia, China, Bali, além de países africanos e povos indígenas. E, estes, logicamente, podem ter costumes e traços culturais que acabam se refletindo, dentre outras coisas, em sua estética e que podem nos parecer incomuns. Mas não vejo porque isso incita, obrigatoriamente, algum tipo de segregação. 


• Da cor do pecado: a cartilha propõe a ideia de que pecado está necessariamente ligado a algo ruim. Concordo que dentro de uma condição de exercício religioso isso é verdade, mas o termo acabou se popularizando também como uma coisa que, apesar de moralmente reprimida, pode representar algo positivo (para uma parte, inclusive, dos quase 90% de brasileiros que se dizem cristãos) a exemplo de sexo, carnaval e o exercício da gula. Mas se a expressão em si supõe uma objetificação da mulher e, em especial, da mulher negra, faz todo o sentido sua exclusão. 


• Escravo: de acordo com diversas fontes na internet, o termo escravo realmente veio do latim sclavus (possivelmente derivado do grego sklábos), como sugere a cartilha. Esta palavra teria originado também o termo designativo do povo eslavo para o português (os eslavos tiveram um passado de escravidão mas, também de expansão e ramificação resultando em vários povos diferentes pela Europa há vários séculos). Escravo, então, teria derivado os termos escravidão e escravizar (não sendo, portanto, uma forma contrata de particípio [como se pode imaginar]). Conforme explicação da cartilha: "Especialistas afirmam que os termos escrava e escravo passam a ideia de que a pessoa já nasceu sem liberdade, como algo inato à sua condição, ignorando o fato de que as africanas e os africanos foram trazidos(as) ao Brasil e forçados(as) a trabalhar nessa condição.". Dentro dessa ideia é importante ressaltar que a condição do negro nascido no Brasil (não o traficado), de fato, já imputava a ele o ônus da escravidão, mas, obviamente, não por uma questão genética - porque ninguém pode ser tão estúpido, hoje, para imaginar essa bobagem -, mas pela situação do subjugo que o homem branco impôs a ele durante três séculos e meio. E, se existia a ideia de que o negro já deveria nascer escravizado (como se a condição do "ser", para este caso, prevalecesse naturalmente sobre a condição do "estar") é porque, para o branco, naquele período, era muito cômodo se "institucionalizar" esse raciocínio, pois, assim, se justificava a concepção (e se criava um pensamento socialmente polido) de que o negro era inferior e por isso era ele quem deveria fazer o trabalho pesado, restando ao branco o tempo livre para, dentre outras coisas, aproveitar a vida. 
Em termos práticos, o substantivo escravo cai na mesma condição do substantivo preso (apesar de os dois, aparentemente, não terem origem na mesma classe gramatical), dessa forma, o fato de se alterar de escravo para pessoa escravizada seria equivalente a mudar de preso para pessoa aprisionada. Porém, ninguém costuma fazer isso porque acha que os presos devem ser respeitados enquanto cidadãos e, por isso, deve se alterar a denominação (a despeito que alguns são detidos injustamente ou recebem penas que, por vezes, acabam durando mais do que deveriam). Ao mesmo tempo que ninguém acha que porque o preso é chamado de preso (ao invés de pessoa aprisionada) existiu um fator genético que o fez nascer nessa condição.
Lembro aqui que não estou comparando o indivíduo escravo ao indivíduo preso (são duas condições de privação de liberdade diferentes), mas apenas um substantivo ao outro. O fato é que escravo foi e sempre será uma palavra com conotação ruim. Então, mesmo compreendendo que o passado do povo negro vai continuar com essa ferida histórica da escravidão, ao que parece, o termo pessoas escravizadas veio para substituí-lo definitivamente. 


• Mulatamulato/mulata seria o descendente da mistura de negros e brancos e, segundo etimologia coletada na internet, teria surgido a partir da associação com mula (que seria o resultado do cruzamento de jumento/a com cavalo/égua) pelo fato da mestiçagem aqui no Brasil (não confundir mula com jumento: jumento é uma espécie [Equus asinus] bem como o cavalo [Equus caballus] e mula é, simplesmente, um animal híbrido dessa relação). Mas contrariando a possibilidade da primeira etimologia, a historiadora Lita Chastan defende que mulata viria de muwallad, palavra de origem árabe e que significaria o resultado do cruzamento de um indivíduo árabe com outro não-arabe.
Prosseguindo, a cartilha "Expressões racistas:..." traz algumas argumentações imprecisas como "A palavra serve para referir-se a mulheres negras que possuem o tom de pele mais claro, refletindo o preconceito ao estimular o clareamento da pessoa negra e pretender afastar a negritude do conceito de beleza." (grifos meus). Pelo que entendi, a explicação sugere que a palavra (mulata) em si já estimula o clareamento e, ainda, que pretende afastar a ideia de que o negro pode ser belo. A palavra sozinha conseguiria fazer isso?
Além do quê, ainda insiste na ideia de que quando um branco cruza com um negro, só existe a intenção de clareamento do filho que poderia ser negro. Mas também não existiria a intenção de escurecimento do filho que poderia ser branco? E porque o relacionamento afetivo/sexual (com a consequente geração de filhos) que acontece entre negro e branco só pode ser entendido como uma "coisa ruim"? E se é tão ruim assim, será que os filhos oriundos desse relacionamento, quando se olham no espelho, sentem vergonha do que são? Será que faria sentido eles negarem a parte branca de sua ascendência se as duas importaram da mesma forma para que ele existisse?
Outra argumentação seria a de que "...o mulato gozava de maior penetração social por ser filho de branco, o que lhe colocaria em melhores condições que o negro na visão daquela sociedade fundada no racismo. Essa formulação acabava fragilizando essas pessoas que não eram reconhecidas nem como brancas, nem como negras." (grifos meus). Então, se a condição de ser mulato colocava o indivíduo em melhor posição social como ele poderia estar fragilizado? Apenas pelo fato de não se sentir pertencente a um dos lados raciais da sociedade?
Enfim, mulato se tornou um termo bastante estigmatizado em virtude da possível etimologia que o relaciona a mula (que, contudo, está sendo contestada). Cabe, então, às pessoas que poderiam ser reconhecidas como tal, repudiar o termo, trocando-o, se for o caso, por algum outro que lhes pareça mais conveniente. 


• CriouloCrioulos eram os descendentes diretos de negros nascidos no Brasil, sem mistura. O termo crioulo adquiriu uma pecha de pejoratividade já de muito tempo e aqui no país, normalmente não se utiliza esta denominação de forma positiva. Porém, o cantor e compositor Kleber Cavalcante ressignificou o termo para si e adota a corruptela "Criolo" como seu nome artístico e, para ele, aparentemente, está tudo certo. Como no caso do termo mulato, só as pessoas de origem negra poderão dizer se vão aceitar o termo para si de alguma forma ou se este será eliminado de nosso vocabulário daqui para a frente. 


• A coisa tá preta, Humor negro, Lista negra, Magia negra, Mercado negro: uma ideia frequente na cartilha do TSE é a de achar que todas as vezes em que se fala em cor (nesse caso, a cor negra) se fala em raça ou em pessoas. É certo que a discriminação racial ainda persiste (e foi muito mais intensa no período da escravidão, época em que alguns termos e expressões foram cunhados) mas não é evidente que sempre existe essa relação. Como no termo esclarecer, comentado mais abaixo, existe uma associação subjetiva com fatos da natureza: nesse caso, com a  escuridão (que não diz respeito à raça negra), que suscita a ideia de mistério, falta de visibilidade e, consequentemente, de coisas que podem ser feitas ou acontecer fora de nosso campo de visão. A entrada "A coisa tá preta" começa com o seguinte argumento: "A expressão “a coisa tá preta” é verdadeira síntese de um conjunto de expressões de caráter racista que associam a pessoa negra a coisas ruins", porém, sem explicar que expressões seriam essas. E continua: "O sentido da expressão é referir-se a uma situação extremamente negativa, complicada ou a um problema de difícil solução." mostrando que a própria explicação dada não faz nenhuma referência a raça e nem a ninguém, como, de modo geral, acontece com a conceituação das outras expressões citadas acima. A associação, pelo que dá para perceber, é puramente deduzida. 


• Ovelha negra: nesta, a cartilha explica que: "A expressão “ovelha negra” pretende designar uma pessoa que foge aos padrões aceitáveis..." (grifo meu) e continua no segundo parágrafo: "A origem de seu uso remonta à Antiguidade, quando “[...] os animais pretos eram considerados maléficos e, por isso, sacrificados em oferenda aos deuses ou para acertar certos acordos” (Soportugues, online) (grifo meu).". E conclui no terceiro: "Há uma associação da pessoa negra com coisas ruins, desvirtuadas ou inaceitáveis, consequentemente, trata-se de expressão racista." (depois dessa, Rita Lee deve ter se revirado no túmulo).
Perceba que da mesma forma que na lista de expressões mais acima, há uma associação deduzida de racismo na conclusão apenas porque a palavra negra existe na composição do termo. A despeito de que os autores incluem o termo pessoa na descrição, em nenhum momento se fala em "pessoa negra". O que o termo título simboliza é apenas uma comparação pelo fato de que num rebanho de ovelhas, quando uma nasce negra, esta possui uma coloração fora do padrão esperado porque estes animais, em geral, nascem brancos (e sua lã é mais fácil de ser trabalhada comercialmente nessa cor). Esta ovelha poderia ter nascido azul, verde ou vermelha só que elas só nascem brancas ou pretas. Então, o problema não é a cor em si mas o fato de não se atender a uma expectativa. Enfim, se ovelha virou gente, ninguém me avisou.


• Denegrir: esta é uma palavra que virou padrão nas discussões sobre "termos racistas" e que merece um texto exclusivo para explicar porque não faz sentido ser percebido dessa forma. O bom é saber que esse texto já existe e se encontra aqui mesmo no Contraponto. Então, reserve um tempo, desligue o som e leia com atenção "Denegrir. Palavra racista?" para entender porquê essa relação entre denegrir e racismo é equivocada e não deve ser alimentada. 


• Esclarecer: bom, esta palavra ficou por último propositadamente porque, de todos os termos e expressões constantes na cartilha "Expressões racistas..." esta é a que me parece totalmente desprovida de sentido. Veja, como a própria cartilha define: "'Esclarecer' significa tornar algo claro, trazer luz sobre determinado assunto" o que comunga com as várias definições de dicionários online como as citadas abaixo: 
• "Dar ou comunicar luz ou claridade a" (Priberam). 
• "Compreender; tornar elucidativo, claro: o autor esclareceu as dúvidas" (Dicio). 
• "Tornar claro; tornar compreensível ou inteligível; elucidar" (Infopedia). 
• "Tornar(-se) mais instruído; instruir(-se): A internet ajuda a esclarecer muita gente. Esclarecia-se com as boas leituras (Michaelis). 
• "Fornecer ou obter explicações ou conhecimentos sobre algo" (Caldas Aulete). 
É claro que, além destes, esses dicionários dão muitos outros conceitos para explicar o verbo, mas o interessante é notar que a despeito de que esclarecer também pode ser colocado como sinônimo de clarear, eles (os dicionários) se concentram mais em seu sentido figurado, que é o que mais utilizamos em nosso dia a dia. 
Prossegue a cartilha: "À primeira vista, não há nada de errado com a palavra e seu uso, contudo embute-se nela o racismo a partir do instante em que transmite a ideia de que a compreensão de algo só pode ocorrer sob as bênçãos da claridade, da branquitude, mantendo no campo da dúvida e do desconhecimento as coisas negras.". 
Em virtude desse raciocínio forçado, é bom tentar esclarecer umas coisas: 
• Esclarecer pode ser usado no sentido de clarear, mas é difícil que isso aconteça quanfo falamos de um acontecimento físico. Exemplo: quando dizemos que vamos iluminar o ambiente, usamos o verbo clarear, mas, dificilmente - ou nunca - esclarecer. Ninguém diz "Vou ligar a luz para esclarecer a sala" mas sim "Vou ligar a luz para clarear a sala". 
• Por isso, soa estranho quando tentamos enquadrá-los como sinônimos, apesar de que, em algumas circunstâncias, o são. Mas o antônimo mais apropriado para clarear, por exemplo, seria escurecer (circunstância física) ao passo que o mais apropriado para esclarecer seria obscurecer (circunstância psicológica). 
• Mas se a gente insistir que esclarecer é sinônimo de clarear então, "a ideia de que a compreensão de algo só pode ocorrer sob as bênçãos da claridade" (conforme escrito na cartilha) faz muito sentido porque, como não enxergamos no escuro, precisamos sempre clarear o ambiente para poder ver e compreender as coisas ao nosso redor. 
• E seguindo essa ideia, Esclarecer pode ter o significado de tornar claro, dentre outros, mas claro não é igual a branco. E em nenhuma acepção dos dicionários citados se fala algo como "Esclarecer = tornar branco". Portanto, falar de branquitude para fazer algum tipo de contraposição com negro, fica forçação de barra. 
• Outra coisa que é importante mencionar: a luz é um fenômeno físico. E ela é um fato (até que alguém consiga provar que ela não existe, o que eu acho difícil). Sendo assim, para nossa sorte, estaremos sempre com ela nos acompanhando quando precisarmos, por exemplo, trabalhar em uma sala fechada. O que eu quero dizer é que não tem como fugir da claridade. Sempre vamos precisar dela em nossa vida. Sempre vamos precisar de luz. E é por causa da associação com luz que surgiu a percepção de que as coisas ficam "mais claras", "mais visíveis" e, portanto, "mais esclarecidas" em nossa mente. É apenas por isso. Nós, que não somos notívagos (como as corujas e os morcegos), precisamos da luz para enxergar. Então, não faz sentido argumentar que "embute-se nela o racismo a partir do instante em que transmite a ideia de que a compreensão de algo só pode ocorrer sob as bênçãos da claridade, da branquitude". Precisamos da claridade para ver as coisas à nossa volta para poder decidir o que fazer com elas. Isso vai ser assim por milhares, senão milhões de anos e não vai ter como fugir. Então, a associação de luz com a ideia de esclarecer, clarear, elucidar, compreender... sempre fará sentido. 
• Além do mais, a claridade sempre vai estar mais próxima da cor branca e a escuridão sempre vai estar mais próxima da cor preta. Cores e luzes são apenas fenômenos físicos e ninguém é melhor ou pior porque seu tom de pele está próximo de algum deles. Veja que quando precisamos ler um livro, necessitamos de claridade. Quando precisamos dormir, necessitamos de escuridão. Todos os dois fenômenos estão corretos para essas necessidades e todos os dois têm o mesmo valor. Tanto isto é verdadeiro que uma metade de nosso dia é clara e a outra metade é escura (em um momento trabalhamos e, em outro, descansamos), assim, não tem essa de que o claro é melhor que o escuro. Apenas em alguma circunstância, um será mais bem vindo do que o outro. É só isso. 
E para finalizar (ufa!), a cartilha conclui que "O mais adequado, nessas circunstâncias, seria o uso das palavras “explicar” ou “elucidar”, por exemplo.". Explicar, elucidar, clarear, esclarecer... todas essas palavras vão dar exatamente no mesmo quando o sentido for o de dar luz a pensamentos e ideias. Então, essa implicância não tem razão de ser, simplesmente, porque não há como ser ofensivo ou discriminatório utilizando-se dessas palavras. Só isso. 


Etimologias de palavras que não implicamos 


Que tal agora sabermos as etimologias de algumas palavras que usamos em nossa vida diária mas que nunca nos importamos em saber se elas também tinham etimologia? 


• Album: segundo o etymoline album é o neutro da palavra albus, que provém do latim e que significava branco. O termo album era utilizado para denominar um quadro branco onde se escreviam em preto avisos e nomes de figuras públicas importantes. No século XVI, na Alemanha, passou a designar um livro onde se colecionavam assinaturas de pessoas amigas, daí ser batizado, também em latim, de album amicorum. Já em meados do século XIX, passou a representar o album como conhecemos hoje, com fotos e alguma explicação sobre elas e, em meados do século XX, passou a designar, também, um album musical (capa + disco de vinil) como aqueles que ainda guardamos saudosos em nossas estantes. 


• Romaria: termo que significava originalmente "peregrinação a Roma", costume que se iniciou na Europa, na península Ibérica, no período da Antiguidade Clássica (a partir do séc. II d.C.), por pessoas que depois foram designadas de romeiros e que iam a esses eventos professar sua religião católica. Hoje, porém, além de simbolizar uma multidão de pessoas quaisquer a passeio, romaria designa, principalmente, uma peregrinação religiosa que pode acontecer em qualquer país sem que ninguém precise ir, necessariamente, a Roma - como se fazia antes - e sem que esteja atrelada a ela nenhuma religião específica. 


• Bárbaro: segundo BAGNO (2015, p. 306) "Para os gregos antigos, a única língua merecedora de tal rótulo era, evidente, o grego, língua perfeita, lógica, suave e sonora. Qualquer outro modo de falar recebia o rótulo de "bárbaro", palavra onomatopaica com a qual os gregos queriam indicar que todos os demais povos não falavam, mas sim gaguejavam algo como bar-bar-bar". Desta forma, os povos não gregos em geral eram entendidos como povos atrasados, porque supostamente, não tinham o mesmo conhecimento e cultura destes. Continua BAGNO (2015, p. 306) "...e é por isso que até hoje, no Ocidente, usamos bárbaro com o sentido de 'rude, grosseiro, incivilizado, agressivo, feroz'. E é de bárbaro que provêm nossas palavras brabo e bravo". 


• Doula: doulas são as assistentes de parto que acompanham as gestantes dando apoio físico e psicológico desde a gestação até os primeiros meses após o parto e cuja pronúncia correta, segundo a Wikipedia (e o Google Translate) é "dula". Doula (gr. dúle), é o feminino da palavra grega doúlos que quer dizer "servo, escravo" em português e, de acordo com a Wikipedia, representava na antiguidade uma escrava doméstica não sendo este termo, portanto, utilizado mais na Grécia pelo fato de que por lá, hoje, tem caráter pejorativo. 


• Trabalhotrabalho é uma palavra que se originou do termo em latim tripalium que, por sua vez, é formado por outros dois que são tri (três) + palium (pau, madeira) e que, como explica o verbete da Wikipedia, era um instrumento que servia para ferrar cavalos e bois. Contudo, tripalium era também um aparelho em se torturavam presos, escravos e trabalhadores que não tinham condições de pagar impostos. Tripalium gerou o termo tripaliare que simbolizava algo como "ser torturado". Com o tempo estes termos foram se transformando em sua grafia e em seu significado, passando por várias línguas e chegando ao nosso português como trabalho/trabalhar (coisa que é entendida por uns, hoje, como algo edificante e, pelos preguiçosos, uma verdadeira tortura).  


• Você: segundo BAGNO (2015, p. 146) "O pronome você, como se sabe, provém de Vossa Mercê, um tratamento respeitoso usado muito antigamente por uma pessoa socialmente inferior ao se dirigir a alguém de status mais elevado na hierarquia social.". Segundo pesquisa, mercê era a forma de tratamento dada aos reis em Portugal até o séc XIV/XV. No séc XV, porém, por uma questão de imposição de status, atribuiu-se à realeza o título de Vossa Alteza, ficando Vossa Mercê relegado aos indivíduos de castas inferiores à nobreza, porém com nível social também elevado, como os aristocratas. Com o passar do tempo, Vossa Mercê foi perdendo prestígio e foi se disseminando para as classes mais baixas e, ao mesmo tempo, se transformando morfologicamente. Das variantes que pesquisei, encontrei essa impressionante quantidade: Vossa Mercê, vossemecê, vossancê, vossuncê, vassuncê, vosmincê, vansmincê, vosmecê, vosmicê, vainicê, vancê,  vacê, voncê, suncê, sucê, mecê, mincê, oncê, e, finalmente, você, ocê, ucê e cê, e que não surgiram, necessariamente, nessa ordem e nem, exatamente, nos mesmos lugares. Você, segundo o próprio Bagno, que era, antes, um pronome de tratamento, hoje, mudou de classe gramatical para se tornar um pronome pessoal do caso reto (raciocínio que eu compartilho plenamente. Já passou do tempo, inclusive, de a gramática trocar o "tu" por "você" na lista de pronomes. Mas isso já é uma outra questão).


• Idiota e imbecilidiota é um termo que se originou do grego idios que significa algo como "pessoal, privado". Na grécia antiga, era a denomimação usada para pessoas comuns, que não tinham cargo público. Mais tarde se estendeu a pessoas que além de não terem cargo, não se interessavam pela vida pública. Depois, essas pessoas passaram a ser vistas como ignorantes ou estúpidas por esse fato, já que, em princípio, um indivíduo que não se interessa pela política, por exemplo, é mais facilmente feito de trouxa. Já, imbecil, viria do latim através da junção de in (prefixo de negação) + bacillum (diminutivo de baculum = bastão ou cajado) e representava alguém que não tinha como se apoiar, uma pessoa com deficiência física. Mais tarde, passou a designar também uma pessoa fraca mentalmente, um parvo qualquer. Esses termos passaram a fazer parte da chamada tríade oligofrênica (Psiquitria) que é composta por três doenças que afetam intelectualmente o indivíduo desde o nascimento que são: a debilidade mental, a imbecilidade e a idiotia. Essas doenças (de acordo com a Wikipedia) estão classificadas em três níveis de severidade tomando por base o QI: de 0 a 20 estão os idiotas; de 21 a 50, os imbecis; e de 51 a 70, os débeis mentais propriamente ditos (ao que parece a OMS especifica uma classificação em 4 níveis, diferente dessa). Esses termos são ainda utilizados na medicina, porém, parecem estar caindo em desuso dado o grau de pejoratividade que adquiriram ao longo dos anos e, por esse motivo, chegam a parecer grosseiros quando falamos neles. 


Estas etimologias foram postadas para mostrar que muitas palavras (senão todas) têm uma história por trás de si e que, na maior parte das vezes, a gente desconhece. Album e romaria passariam incólumes por algum tipo de patrulhamento (mesmo que album, na origem, fizesse referência à cor branca e que romaria se referisse a apenas à religião católica, mas essas duas coisas não simbolizam, hoje, a exclusão da cor preta e, tampouco, a exclusão das outras religiões), porém, bárbarodoulatrabalho e você tem associada a elas uma origem baseada em preconceito e em segregação social. Mas eu nunca vi ninguém tentando "cancelá-las" por isso. Imagine aparecer alguém tentando excluir o termo trabalho de nosso léxico porque este tem um passado de tortura e escravidão? Imagine alguém instruindo uma doula de que ela deve deixar de ser doula porque este termo, ainda hoje, significa escrava em outro país? E quantas vezes vimos as pessoas xingando outras de idiotas, imbecis e débeis mentais sem que elas tivessem a noção da associação destes termos a problemas neurológicos humanos classificados na medicina? 



Por favor... ESQUEÇAM A ETIMOLOGIA!!! 


O rato não entrou por acaso neste texto. Quando precisei de um exemplo para falar sobre sintaxe no texto lá de cima, a frase "O rato roeu..." me pareceu bastante adequada para servir de base. E como este artigo enfatiza muito a etimologia, resolvi pesquisar também a do pequeno roedor "doméstico", que é uma espécie, aliás, que eu tinha certeza de seu nome científico: Mus musculus. Eu lembrava de ter lido sobre ele, há uns 30 anos, em uma antiga coleção de livros chamada Os Bichos, porém, quando, recentemente, peguei um deles para conferir, descobri a errata: Mus musculus é, na verdade, a espécie do camundongo. O rato (termo muito mais utilizado por nós) é da espécie Rattus novergicus, que é bem maior e de coloração diferente (lembrando que, para as pessoas em geral, estas espécies são a mesma coisa). Mas com a passagem do tempo (mais ou menos como acontece nas transformações linguísticas em que uma palavra vai mudando de forma ou de sentido), minha memória, sorrateiramente, foi trocando um animal pelo outro sem que eu pudesse perceber. 


O camundongo é um mamífero cosmopolita que teve origem, provavelmente, na Ásia, se espalhando há milhares de anos pela Europa e outras regiões através das migrações e viagens de colonizadores. Segundo os cientistas, seu genoma é muito semelhante ao humano o que (além de sua docilidade) o levou a ser um dos animais mais utilizados em pesquisas biológicas e, graças a essa exploração, vários remédios e tratamentos de doenças foram descobertos. Sim, odiamos os ratos (apesar de os ratos não nos odiarem) mas, por causa deles, muitos de nós ainda estão vivos (e lendo este polêmico texto para contar aos amigos depois). 


Foi o Mus musculus, diga-se de passagem, que serviu de referência para que Walt Disney criasse, em 1928, o rato humanóide mais famoso do mundo (mais famoso até do que o do "trava-língua romano"), o Mickey Mouse. Não à toa, seus "nomes" são até parecidos. Não acha? São, sim, veja: segundo o etymonline.com o termo mouse passou por várias línguas antes de chegar ao termo inglês atual (afinal, como observado aí em cima, já somos conhecidos há milênios) como o inglês arcaico (mous), o inglês antigo (mus), o holandês, o dinamarquês e o sueco (mus), além do alemão (maus) e, é claro, o grego (mys) e o latim (mus) - este último que, provavelmente, gerou o gênero Mus do nosso camundongo. 


O curioso foi perceber nesta relação que mus passou também pelo sânscrito, que é uma língua indiana já morta (mas que ainda é utilizada em tradições religiosas, mais ou menos como o latim na Igreja Católica), e que remonta por volta de 1.500 a.C


E se mus, que originou mouse para os dias atuais, pode ter mais de 3 mil anos (o que não assegura sua proveniência latina), então, como garantir que outras palavras não tiveram outras ancestrais antes do latim e do grego? Como defende ILARI (2018, pág. 24) "O sânscrito não é o antepassado comum do grego e do latim, é uma espécie de "primo", isto é, descende como eles de uma mesma língua mais antiga que teria sido falada na Índia no final do período Neolítico.". Tendo isto como fato, como garantir que as etimologias que conhecemos atualmente, que normalmente vêm do latim e do grego, remetem à sua verdadeira origem e, em consequência, como afirmar que seus significados originais eram realmente os que conhecemos através dos livros e dos websites? 


E em relação a Camundongo? Qual seria a sua etimologia? O que eu sei, segundo informação deste link, é que vem de ka-mundongo (ou kamundong), da língua africana quimbundo, significando, "pequeno roedor, ratinho". Outras fontes na web confirmam isso mas sem dar muitas explicações. 


Enfim, quanto mais voltamos no tempo, menos temos certeza das coisas - a não ser que menos certeza temos -, portanto, só para ratificar, não dá para ficarmos tomando como base os significados antigos de termos e expressões para definir se estes podem ser utilizados hoje ou não, porque o que conhecemos deles pode não ser a verdade concreta sobre sua origem. Além do quê, vivemos na época de hoje. Não vivemos na época da criação destes termos, uma época com sua cultura, sua conjuntura social e sua expressão linguística próprios e em relação à qual, talvez, as certezas nunca sejam conclusivas. 


A etimologia é uma ciência muito interessante e surpreendente, mas às vezes parecemos meio arrogantes nos achando os "Colombos" que "descobriram" na internet a origem de uma palavra que os linguistas, com seu trabalho, já descobriram muito antes de nós. Não é adequado, portanto, utilizá-la para propagar ressentimento ou fazer patrulhamentos sem sentido. Vai uma distância muito grande entre enriquecer nossa argumentação com referências etimológicas e aniquilar palavras através de conjecturas baseadas nelas. 



      PARTE 4 - FINAL 


Se há algo que eu aprendi pesquisando, foi tomar cuidado com textos carregados de impressões pessoais e de sentimentalismos. Estes, ao invés de primarem pela informação focam na persuasão, tentando induzir o leitor a partilhar forçosamente daquele mesmo raciocínio, e isso não é bom. Este artigo também tem a função de formar opinião, mas através de informação e reflexão. Não com condução de mentes. 


Como eu já comentei aqui, nós humanos é quem somos os responsáveis pelo que comunicamos - não a língua e nem as palavras que estão no léxico, como eu já vi sugerirem pela web. Esse raciocínio é incorreto e cria uma máscara que só desvia o foco dos problemas que ocorrem com a utilização da fala. 


Mas as línguas podem ser veículos de preconceito? 


Sim. As línguas não são o veiculo do preconceito, mas podem ser utilizadas com esse objetivo - não tenha dúvida sobre isso. Mas se as línguas obrigatoriamente fossem veículos do preconceito, então, fatalmente, todos nós seríamos preconceituosos quando falássemos. Além do quê, imagine nossos antepassados, há uns 40 mil anos, inventando a fala já com uma ideia maldosa (e estruturada) na mente de que poderiam usá-la para segregar determinado grupo de humanos e se aliar a outro para conseguir benefícios (como no período da escravidão). É lógico que isso não aconteceu dessa forma. 


A base do preconceito é o nosso entendimento, como percebemos cada coisa, e isso é nosso. Não podemos, inclusive, confundir língua com comunicação. Línguas podem ser diferentes em vários países (às vezes, dentro do próprio país, como acontece no Brasil). Comunicação se dá em todas as línguas e, essencialmente, da mesma forma. E comunicação não precisa, necessariamente, de língua. Ela pode acontecer por gestos e sinais - além de sons diversos (como fazem os animais). 


Mas será que poderia haver uma língua que discriminasse mais do que a outra? Será que o idioma japonês segrega mais que o inglês? E será que o idioma russo tem mais palavras excludentes que o alemão? Existem povos que discriminam mais que outros (fato), porém, nunca soube de uma língua que por si só praticasse exclusão. 


E só para finalizar o raciocínio, imagine que uma mesma palavra, para a mesma língua, pode ter duas impressões diferentes bastando para isso que se mude de país, como é o caso de bicha no Brasil e em Portugal. Enquanto que aqui é uma denominação pejorativa para homossexual/homoafetivo (ou, até, um vocativo para mulheres e trans se cumprimentando na gíria), lá é mais conhecida como uma fila de pessoas (isso dentre outros significados porque, pelo que pesquisei, bicha, lá, também tem a mesma conotação pejorativa que tem aqui). Mas cueca, que aqui no país é uma roupa masculina, em Portugal é sinônimo de calcinha. Apelido, que aqui é um tratamento informal para chamar alguém conhecido, lá (assim como na Espanha) significa sobrenome. E estes são apenas alguns exemplos. 


Por isso, as palavras são mais vítimas que algozes em qualquer língua que se fale. Nós as criamos, assim, elas serão sempre um reflexo de nossas intenções - como nos mostram mais acima trabalhodoula e você que, a despeito de seus passados, e após um longo processo de transformação (conduzido [involuntariamente] por nós), hoje aparentam inofensivas, apenas exprimindo seus conceitos atuais (e não os de antigamente, porque poucas pessoas os conhecem), no que aceitamos passivos sem ficar tecendo nenhum juízo de valor. 


Mas, então, qualquer coisa pode? 


A provável resposta para essa pergunta seria sim. Porque na língua, grosso modo, qualquer coisa pode se tornar qualquer coisa. Basta perceber que nos idiomas que não entendemos, seus utilizadores se comunicam perfeitamente empregando termos que para nós não têm nenhum sentido. Isso demonstra o caráter abstrato da língua. Língua é pura convenção. Salvo as onomatopéias, que são um arremedo para tentar exprimir, à nossa maneira, sons da natureza, palavras são uma das nossas expressões humanas mais significativas que resultam de nosso intelecto. Conseguimos criar sons do nada e dar-lhes um sentido. Isso é incrível (mesmo que pareça banal). Depois que aprendemos isso, demos um grande salto em nossa história. 


Contudo, essa admirável criação, a fala, que tanto enaltece nossa espécie, em certos momentos nos faz parecer meio "Homos burriens". Pelo fato da preguiça em refinar nosso conhecimento (mesmo com uma internet inteira à disposição) muitos de nós preferem se basear em informações truncadas e mal refletidas, o que acaba por gerar situações como essa abaixo, contada por um amigo meu alguns meses antes que eu escrevesse este artigo: 


"Estava F. andando próximo a uma praia (em Salvador-Bahia) quando "topou" com um amigo negro já de longa data e, para cumprimentá-lo, muito contente, falou em voz alta: "E aí, negão?! Tudo beleza?!". No que o outro respondeu que "sim" e se abraçaram comemorando o reencontro. No entanto, uma mulher branca que estava do lado, ouviu o cumprimento e começou a bradar dizendo que aquela palavra (negão) não poderia ser utilizada porque era discriminatória, etc, etc, etc... e ainda reclamou do amigo do meu amigo porque este era negro e "permitia" uma coisa daquelas (dando a ideia de que tinha sido discriminado e aceitado o fato passivamente)"


Curioso é que, na década de 1980Gerônimo Santana (ou, simplesmente, Gerônimo), muito conhecido na Bahia, já cantava uma música que dizia "Eu sou negão. Eu sou negão. Meu coração é a liberdade (1987).". Pouco depois, o cantor Celso Bahia já entoava "Tem, tem, tem, tem dois neguinhos (1988)", música que também tocou muito no rádio e, antes disso, Lazzo Matumbi apresentava a sua "Do jeito que seu nego gosta (1983)", mostrando que negoneguinho e negão, são (ou, pelo menos, foram) tratamentos bastante amigáveis no estado. Hoje, o termo negro está passando por um processo de reflexão (e alternando-se com preto): uns não gostam mas outros com ele se identificam com orgulho, o que reafirma que o caráter semântico da palavra pode ser totalmente variável. 


Ao invés de cancelar... ressignificar 


Segue mais uma historinha, só que essa já me foi contada há vários anos:
Há muito tempo, um criminoso estava preso aguardando sua sentença. O rei, impiedoso, mandou que enviassem a ordem de execução por escrito para o encarregado da prisão com a seguinte mensagem: "Executar, não perdoar". O escrivão, porém, uma pessoa carregada de compaixão, decidiu mudar a vírgula de posição, o que fez com que a mensagem escrita ficasse assim: "Executar não, perdoar". Desta forma, graças ao bom coração do escrivão, e sem alterar um único elemento na transcrição (apenas mudando um deles de lugar), o prisioneiro foi finalmente absolvido. 
O que aconteceu depois... não faço a menor ideia. 


Esse conto serve para ilustrar que, quando queremos, utilizamos os recursos de comunicação à nossa maneira para modelar o entendimento do receptor em relação ao que queremos transmitir. Nós, manipulando esses recursos, é quem definimos como nossa comunicação vai acontecer. 


Portanto, vamos entender que: não existem palavras preconceituosas, mas pessoas preconceituosas, que criam palavras, expressões e orações e dão a estas o sentido que quiserem, formatando sua comunicação de acordo com o seu interesse. Quando criamos essas coisas todas, atribuímos a elas uma substância que nada mais é do que um reflexo de nossas necessidades (se aparece alguém e deturpa algo entendido como positivo, isso já é uma outra história). Mas nós podemos abolir essas palavras sim, se assim nos parecer conveniente, só que o preconceito e a maldade que leva alguém a atribuir-lhes um sentido pejorativo não se vai junto com elas. 


Assim, vasculhar a origem de uma palavra e transportá-la para nosso tempo é como parodiar Dr. Frankenstein, desenterrando um cadáver e trazendo-o de volta à vida (para depois escurraçá-lo como se este fosse culpado pelo que fizeram dele). Importante, então, compreender que o que um termo foi no passado, fez sentido para aquele passado. Contudo, se ele, com o tempo, caminha para dentro de um processo de transformação e adquire uma nova natureza, é isso o que deve interessar. 


Perceba: macumba/macumbeironegrada e preto já entraram em um processo de reflexão e reassimilação social, o que mostra que concordar com a exclusão de um termo de nossa língua apenas porque o branco (ou algum outro grupo social) o estigmatizou é uma opção, mas pode não ser a melhor saída. Ao contrário, muito mais pertinente seria batalhar pela sua ressignificação, mantendo-o na língua e fazendo com que passe a ser entendido da forma positiva como deveria ser (lógicamente, apenas para aqueles termos em que isso faça sentido). 


Desta forma, gastar tempo ensinando pessoas (que não entendem desse assunto) a serem preconceituosas em relação a termos supostamente excludentes acaba gerando nestas um sentimento de justiçamento e o consequente hábito do "cancelamento digital", que é péssimo. É como tentar acabar com a exclusão ensinando alguém a excluir. 


E isso não gera efeito prático significativo. O máximo que se pode dizer é que o indivíduo que aprendeu a se sentir ofendido ao ouvir determinados termos ou expressões, agora não se sente mais porque ninguém mais os utiliza. E é legal, sim, se importar com as palavras porque é através delas que, como dizem, "trocamos ideias", mas quando as patrulhamos, será que estamos mirando no alvo certo? Como, lucidamente, comenta o linguista Maurício de Souza Neto: "Isso é uma forma de artificialmente enfraquecer os movimentos de luta, porque as pessoas de fora olham e dizem: 'ah, isso aí é lacração". Será, então, que não estamos desperdiçando nosso tempo e energia com assuntos coadjuvantes? 


Desse modo, a conduta ideal para se eliminar a discriminação e as exclusões é concentrar as energias em programas educacionais que permitam aos indivíduos, desde cedo, compreenderem porque os preconceitos não fazem sentido (mesmo que isto não funcione da mesma maneira para todos) e, concomitantemente, mantendo-se as políticas públicas de inclusão social até quando elas se fizerem necessárias. É um processo lento, como tudo o que envolve a sociedade, mas que faz mais sentido do que lutar contra grupos de fonemas. 


 E para fechar... 


Na década de 1980, mais precisamente em 1982, Paul McCartney e Stevie Wonder lançaram o estrondoso sucesso Ebony and ivory (composta por Paul). Naquela época, ainda garoto, eu não conseguia ter uma visão mais abrangente sobre a importância daquela letra. Somente com o passar dos anos percebi o quanto era bonita e óbvia aquela mensagem. 


Ebony and ivory (Ébano e marfim), 
live together in perfect harmony (vivem juntos em perfeita harmonia). 
Side by side on my piano keyboard (Lado a lado em meu teclado), 
oh Lord, why don't we (oh Senhor, porque nós não)? 


Então, eu pergunto: porque (da mesma forma que nas teclas do piano ou numa folha escrita de papel ou até num texto digitado como este que você está lendo, em que o branco e o preto se complementam), grupos sociais diferentes não podem ter uma relação harmônica como nessa canção? E será que o sucesso dessa relação depende apenas de palavras?


Ébano e marfim, indo para além dos objetos reais, foram metáforas utilizadas na composição para representar nossas diferenças de cor humanas o que mostra, mais uma vez, que as relações semânticas em nossa comunicação podem se dar puramente por uma questão de interpretação. As palavras são passivas, seus agentes somos nós e os preconceitos... não precisam delas para existir. Então, por mais que se possa aborrecer com as palavras e, por conseguinte, se tente cancelá-las, a intenção de quem discrimina... utilizará outras. 


Como num pensamento que li em algum lugar pela internet... 
"Vão-se as palavras. Ficam as ideias." 

Obrigado por mais esta leitura. 


 


Referências e leitura complementar: 

(1) Estas fontes variam. Algumas defendem que o início da escrita foi há uns 4.000 anos, outras, 5.000 e outras, 6.000.


Livros 
Preconceito Linguístico - Marcos Bagno - 2015 
Curso de Linguística Geral - Ferdinand de Saussure - 28ª ed. 2012 
Não é Errado Falar Assim! - Marcos Bagno - 2009 
Linguística Românica - Rodolfo Ilari - 2018 


Etimologia 
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Uma breve história da Etimologia 
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Etimologia de Bárbaro 
Etimologia de Trabalho 
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Etimologia de Doula 
Etimologia de Idiota e Imbecil 
Conheça palavras de origem indígena do nosso cotidiano 
Tupinismos e africanismos no português brasileiro (PDF)  
Criado-mudo é expressão racista? Entenda a polêmica 
Criado-mudo é uma palavra racista? 
Criado-mudo 
"Criado-mudo": entenda a origem racista do termo 

Gramática 
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Semântica 
Sintaxe 
Por que todo professor de português deve ser um linguista (PDF) 
Norma-padrão 
Norma culta e Norma-padrão: desfazendo sinônimos (PDF) 
A diferença entre norma culta e norma-padrão 
Norma-padrão, Norma Culta e hibridismo linguístico 
Gramática normativa 


Língua / Linguística 
História da escrita 
Os materiais na história da escrita 
História do alfabeto 
Quando e por que os humanos começaram a falar? 
Fonética 
Fala, Língua e Linguagem 
Qual é o idioma mais antigo do mundo? 
Pictograma 
Ideograma 
O grafema das escritas não fonéticas 
Logograma 
Sistemas de Escrita Logográficos 
Sistemas Sinaléticos (PDF) 
Línguas do Brasil 
Semiótica 
A linguagem sincrônica de Saussure e a língua portuguesa  (PDF) 
'As línguas são a base do racismo', afirma pesquisador 
Relação entre língua e poder na obra de Pierre Bourdieu (PDF) 
A discriminação racial nos docionários de língua 
Depois de denegrir o criado-mudo, sobrou a inhaca 


Outros 
Expressões racistas: por que evitá-las (PDF) 
Censo 2022: Brasil tem 203 milhões de habitantes
 
Sobre escravos e escravizados 
Eslavos 
O direito a não ser ofendido existe? 
Sistemática 
Taxonomia 
O que é macumba e quando se comete intolerância religiosa? 
Inclusão Social: entenda o que é, importância, exemplos e como promover 


Vídeos 
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Gerônimo - Eu sou Negão 
Celso Bahia - Tem dois Neguinhos 
Lazzo Matumbi - Do Jeito que seu Nego Gosta 
Paul McCartney & Stevie Wonder ~ Ebony and Ivory 


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