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  20/12/2020  •  Sociedade  •  1614 hits  •  0 comentários ⇣

Todo mundo que generaliza é burro!

Há mais de 20 anos, um colega de escola, de inicial "W", me chegou falando sobre uma discussão que teve com outro colega após este fazer a afirmação que "Todo mundo que generaliza é burro!". "W", logo após, retrucou com a frase "Então... digaí, burro!", dando um "revide certeiro" em uma pessoa que não percebeu que estava praticando exatamente a mesma coisa que condenava. Não lembro do que eu conversei com "W" nos momentos seguintes mas o fato é que este episódio ficou em minha cabeça durante todo esse tempo até culminar neste artigo - que, naquele momento, jamais passaria pela minha cabeça que iria escrever. 


Curiosamente, esse não foi o estopim que iria me fazer ter o trabalho de elaborar este texto. Essa faísca foi mais recente, mais moderna, uma centelha já do meio digital. Em uma conversa num grupo de whatsapp, outro amigo ("R") postou uma mensagem carregada de afirmações ressentidas mas que no decorrer da argumentação, parecia cheia de razão e com aquela aura reivindicatória bem característica deste tipo de discurso. A autora do texto, para defender suas ideias (e de uma forma meio inconsequente), afirmava que vivíamos numa sociedade machista, racista e homofóbica, dentre algumas outras coisas que não me lembro. 


Meu colega, o que repostou, achou o texto brilhante. Eu, que sou meio chato, não concordei muito como aquelas coisas eram ditas mesmo admitindo que, até certo ponto, a autora tinha razão. Mas não me vi ali. Achei que aquelas afirmações eram muito extensivas e colocavam as pessoas todas - que são essencialmente diferentes - numa mesma condição negativa de igualdade. Critiquei e, isto, lógico, resultou em várias outras mensagens repletas de revides acalorados - apesar de eu e "R" não termos brigado de fato em virtude disso. Mas acho que ficou, no final, a sensação de que meu raciocínio não estava errado. 


Nestas duas passagens, houve situações de generalização em que, no primeiro caso, esta era condenada e, no outro, era utilizada de forma indiscriminada.


Mas o que seria, de fato, generalização? 


Apesar de achar que todo mundo consegue entender o que é generalizar (acabei de generalizar o entendimento sobre generalizar), acredito que seja de bom tom tentar clarear o conceito aqui mesmo.  


Pesquisando pela web a gente pode obter várias definições mas, generalização, grosso modo, seria a atribuição de características percebidas em uma ou algumas coisas a todas as coisas pertencentes a um grupo de coisas semelhantes ou, como no Dicio, "estender os resultados de algo específico à maioria". Generalizar ainda tem outros significados como "fazer com que alguma coisa seja de conhecimento geral", por exemplo, mas não é este - e nem outro sentido qualquer - o foco desse artigo. 


Heurística


A heurística é um processo mental para tomada de decisão. Uma das características desse processo é o descobrimento de soluções através de um gasto menor de energia e de conhecimentos mais simplificados. Não somos máquinas, portanto, nossa capacidade de armazenar conhecimento e de dispender raciocínio nem sempre vai satisfazer uma condição que exija essas duas coisas em grande quantidade. Buscamos, então, soluções mais fáceis. Isto é errado? Não. Inclusive, o fazemos o tempo inteiro. 


A heurística facilita muito o nosso lidar com as coisas porque permite que tomemos decisões rápidas a partir de algum conhecimento que tenhamos no momento para tratar com uma situação em particular. Sabe-se que, normalmente, tomamos, através dela, decisões acertadas, mesmo que esse não seja um processo consciente. São milhares de decisões por dia. E, como na generalização, na heurística existem entendimentos / aplicações diferentes para outras áreas - o design thinking e a informática são algumas delas - porém, também não são o foco deste artigo. 


Mas o que a heurística tem a ver com generalização? 


A heurística é, geralmente, um método comparativo. Precisamos tomar uma decisão baseados em alguma experiência anterior ou conhecimento sobre algo e, muitas vezes, esse conhecimento é superficial. Isso quer dizer que quando decidimos sobre alguma coisa como, por exemplo, o que fazer em relação à temperatura do ambiente em que estamos, o fazemos baseados na experiência que já temos. Se está calor, deduzimos que precisamos abrir a janela para o vento entrar, mas se está frio, fechamos a janela. Mas isso também depende de como está a temperatura lá fora. Ou se está chovendo ou fazendo sol. Ou qualquer outro fator. Partimos de um entendimento geral sobre outras experiências para tomar a próxima decisão. 


Mas porque questionar uma coisa tão corriqueira?


Quando decidimos sobre coisas do dia a dia não é difícil acertar. No entanto, quando decidimos sobre pessoas, precisamos ser mais cautelosos. Deliberar baseados em conhecimento raso, ou alguma experiência "negativa" superficial, permite a possibilidade de se tecer opiniões e tomar atitudes referentes a algo que não é real. Sendo mais claro, imagine se você vai num show de rock e vê algumas pessoas fumando maconha. Se você nunca teve experiência neste tipo de show, pode generalizar e achar que todos se drogam em algum momento, quando, na verdade, a maior parte dos roqueiros, provavelmente, não o faz. Independentemente se isto é algo recriminável ou não, é fato que sua impressão sobre o assunto, certamente, estará formada.  


Em resumo, a generalização advinda de um processo heurístico pode permitir a criação de estereótipos, o que pode gerar discriminação. 


E...


E é certo que sempre precisamos ter uma posição sobre alguma coisa para que saibamos que resolução tomar. Mas se nossas experiências ou conhecimentos estiverem muito mais relacionados a juízos de valor (e não juízos de fato) a possibilidade de fazermos julgamentos injustos é grande e, numa época delicada, em que os movimentos sociais estão mais intensos e os ânimos mais acirrados. 


Em mensagens de reivindicação social, as generalizações conferem à argumentação um caráter mais dramático, colocando toda a sociedade (ou quase toda) contra alguma coisa e sugerindo que apenas nós (os leitores) e o autor do texto estamos isentos. Pelo menos, a gente nunca se enxerga como algozes. Apenas os outros. Veja que, como na heurística, não trabalhamos com dados precisos a despeito de que, em alguma ciscunstância, trabalhamos com algum dado concreto suportado por muito sentimentalismo e questões de ordem moral (salvo casos em que os números são muito significativos). 


Perceba que é muito mais contundente quando alguém diz "vivemos numa sociedade machista!" do que quando falam "vivemos numa sociedade em que uma parte das pessoas é machista", o que seria mais correto e verdadeiro porque se você não é, o autor da mensagem também não é, seus amigos das redes sociais também não são, e milhares de pessoas vão às ruas para protestar contra o machismo, como podemos generalizar e estender essa postura a todos? 


Segundo a PNAD, temos uma proporção de 52% de mulheres contra 48% de homens (arredondando) no Brasil. Se vivemos, de fato, em um país machista, teríamos que considerar esses 48% de homens + uma porcentagem do grupo das mulheres para fazer um total de uns 75%, por exemplo. Esta seria uma quantidade (3/4) que a gente poderia considerar como eficaz para representar o todo. Mas quem garante que desses 48% de homens, 100% deles são machistas? E que, pelo menos, 25% das mulheres também o são? Onde existe esta estatística? 


Além do quê, qual a proporção real de machismo existente em cada homem e em cada mulher? Quando um homem faz alguma brincadeira tipo "mulher no volante é um perigo constante", como é possível garantir que esse indivíduo não aceite que sua mulher trabalhe fora, que uma colega de trabalho ganhe o mesmo que ele, que uma mulher seja sua chefe, que uma mulher conserte seu televisor (essa eu nunca vi), que uma mulher seja presidente do país ou qualquer outra coisa que, costumeiramente, seria atribuído ao gênero masculino? 


Quando alguém tem uma postura discriminatória, esse alguém é 100% discriminador? E se ninguém é perfeito então é porque somos 100% imperfeitos? Será que nossa compreensão de que existe a diversidade não consegue compreender que também existe a diversidade de criação, de educação, de culturas, de experiências e que tudo isso é capaz de gerar pessoas com pensamentos e comportamentos diferentes? 


Se entendemos isso, entendemos também que existem pessoas mais "imperfeitas" do que outras e que são passíveis de melhoria. E se a gente considera que podemos melhorar as pessoas é porque devemos achar que os defeitos podem ser corrigidos até que se chegue a um hipotético 100% de "perfeição", não é mesmo? 


Mas, é claro, não vamos consertar todo mundo. As pessoas são inteligentes e pensam por si. E são capazes de assumir a responsabilidade sobre o que pensam. Nem todas vão melhorar (uma pena). Mas não justifica sair por aí acusando aleatoriamente, como se apenas nós, que estamos do lado de cá, é que prestássemos. Se pudéssemos mirar e acertar apenas os que não prestam (segundo nosso ponto de vista), seria ótimo. Mas isso não será a regra.  


Mas, generalizamos 


É fato que, em algum momento, vamos generalizar. Com um misto de alarde, simplificação, preguiça mental e, quem sabe, um pouco de ingenuidade e desonestidade inconsciente, vamos atribuir características de uma parte a um todo qualquer, seja este todo, por exemplo, constituído por soteropolitanos, baianos, brasileiros, terráqueos ou extraterrestres que sejam. Mas vamos generalizar. Faz parte do jogo do convencimento. Queremos vender nossa ideia e a maneira como argumentamos pode fazer toda a diferença. 


Generalizar, portanto, pode muito mais estar relacionado ao fato de querermos fazer prevalecer nossa impressão sobre as coisas do que, efetivamente, esclarecer. Mas se até a ciência faz suas generalizações antes de chegar às suas leis, porque nós também não podemos fazê-lo? Podemos, mas enquanto o método científico procura ser sempre imparcial, nós, do lado de cá, estamos sempre tendendo para uma direção qualquer (generalizei).


E aí vamos afirmar coisas que, para quem não se sente enquadrado, não fazem o menor sentido como "todo homem não presta", "todo americano é ufanista", "todo argentino é mal educado", "as mulheres são muito volúveis", "os roqueiros são todos drogados", além da já citada frase "todo mundo que generaliza é burro!". Estereotipamos para justificar algum raciocínio no discurso. Tiramos a experiência com alguns e repassamos a todos. Quem nunca fez isso? 


Nem todo generalista é burro


Admitir, portanto, que "todo mundo que generaliza é burro" acaba nos colocando na mesma condição que o autor da frase, embora alguém ser "burro" seja apenas uma especulação ou ponto de vista. Normalmente, as pessoas são inteligentes e se resolvem, cada uma a seu modo.


Mas, efetivamente (e já generalizando), todo mundo generaliza, uma hora ou outra, e, no momento que queremos nos valemos dessa generalização como reforço na argumentação para que o interlocutor se sinta compelido a concordar conosco. 


Generalizar, portanto, não é essenciamente um problema, mas a intenção e a forma como se faz, podem ser. Por mais que possa existir uma boa intenção em assumir uma postura generalista, acabamos sempre esbarrando em questões morais, e estas estão ligadas aos valores e às percepções de cada um e que, por mais que possam ser semelhantes em algum momento, em um outro momento não serão. A coerência do nosso discurso não pode querer salvar do afogamento uma parte das pessoas colocando-as no mesmo barco junto com a outra parte que as afogaria. 



Referências 


Dicio - Generalização 
Redigir - O que é “generalizar”? 
Conjur - Também no Direito, toda generalização é perigosa 
Papo de Homem - Todo mundo generaliza 
Tim Faz Ciência - Generalizar 
Scielo - A validade da generalização 
Instituto Conectomus - O que é heurística 
Mais Retorno - Heurística 
A teoria d generalização de M. Singer - PDF  


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