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  11/01/2019  •  Sociedade  •  2819 hits  •  0 comentários ⇣

O preconceito que você sofre não lhe redime do preconceito que você exerce

Preconceito é um sentimento democrático. Aflora nas diversas camadas sociais, em diferentes faixas etárias, em todas as raças e territórios e nos mais variados níveis culturais e educacionais. Dificilmente estamos imunes porque, por mais que digamos que não, em algum momento da vida, podemos nutrir sentimentos de reprovação por alguma coisa sem que tenhamos para isso uma justificativa racional. 


Preconceito é, também, uma palavra pesada. E, talvez, por isso, muita gente sinta certo desconforto em assumir suas rejeições pessoais como tal. Ninguém simpatiza com a ideia de ser tachado de preconceituoso pois, independente de qualquer coisa, as pessoas sempre preferem tentar passar aos outros uma imagem polida sobre si mesmas. Assim, apesar de exercermos essas rejeições, não as entendemos como preconceito (e, em alguns casos, realmente, não são) e, em vista disso, achamos que os outros não deveriam nos acusar de intolerantes. 


Vale salientar que preconceito e discriminação são coisas diferentes: preconceito é uma intenção. Discriminação é a ação. Quando o preconceito se exterioriza e se transforma numa ação, vira discriminação. 



Mas qual seria a definição de "preconceito", afinal? 


1 - Segundo o Ciberdúvidas, esta é uma palavra formada a partir de outras duas por prefixação. O prefixo "pre (átono)" + o substantivo "conceito" originam a palavra "preconceito" que, grosso modo, significa um julgamento claramente intolerante e sem fundamento racional sobre alguma coisa.
2 - A explicação mais popular, porém, é a de que sua morfologia se dá através da junção dos termos "pré (tônico - significando antes)" + conceito (concepção)", originando "pré-conceito", que expressaria, a priori, uma opinião ou ideia pré-concebida sobre algo, um entendimento sobre o qual não se tem muita certeza, provavelmente, por se ter pouca informação. 


Seguindo esses raciocínios, então, a gente pode deduzir que, preconceito, enquanto um "pré-conceito", não simboliza algo ruim. É uma palavra bastante estigmatizada, de fato, mas, entendido como uma ideia pré-concebida, não prova que este conceito tenha sido "formulado" com má intenção. Deduções sobre alguém ou alguma coisa, ainda que pareçam discriminatórias, podem surgir apenas com o intuito de estabelecer uma precaução sobre algum mal que aqueles possam causar, sem que se tenha a intenção de causar, de volta, outro mal. Por exemplo, a gente, por ignorância, pode achar que todas as cobras são peçonhentas (que podem injetar seu veneno) - o que não é verdade -, e, em decorrência disso, preferir manter distância, mas sem, por esse motivo, desejar que todas elas sejam mortas. 


Analogamente, o chamado "preconceito benevolente" é um tipo de pensamento seletivo que, aparentemente, não tem um propósito ruim. Ele atribui características tidas como positivas a alguém (ou grupo), como a ideia de que todo negro é sexualmente bem dotado ou que todo japonês luta karatê. Para a população masculina, a situação de alguém dotado para mais é mais positiva do que a de alguém dotado para menos. Da mesma forma, a gente entende que é mais positivo quando se sabe uma arte marcial do que quando não se sabe. 


É claro que não há nenhum mal em se perceber que os outros indivíduos são diferentes de nós e isso não significa que a gente nutra alguma implicância. O mal é quando essas diferenças, para a gente, "fazem diferença", ou seja, quando essas diferenças nos incomodam de alguma forma. Se isso acontece, fica mais fácil se criar alguma rejeição e interiorizá-la como justificativa. 


O preconceito, então, pode ser entendido como um pré-conceito no qual a intolerância pré-existente no indivíduo torna-se o fator que impossibilita que aquele (o pré-conceito) seja contrariado e repensado o que, em tese, acabaria por consolidá-lo. Desta forma, a postura intolerante desse indivíduo prevalece, mesmo que sejam fornecidos dados suficientes que mostrem a ele que essa não-aceitação tão inflexível em relação a alguém ou alguma coisa não faz sentido. 



Mas porque as diferenças incomodam tanto? 


Segundo os conceitos vistos lá em cima, "pré-conceito" e "preconceito" partiriam do mesmo ponto, porém, chegando em duas coisas diferentes. Enquanto o primeiro resulta apenas numa demonstração de ignorância, o segundo resulta na tão criticada (porém, popular) discriminação. 


Mas a ignorância sobre algo, por si só, não faz com que tenhamos raiva de nada. Provavelmente o que se abstrai, o que se deduz a partir dessa ignorância, sim. Portanto, quando nos deparamos com alguém que tenha diferenças em relação a nós mesmos - ou ainda, quando nos deparamos com coisas já estereotipadas ou que não compreendemos -, podemos tirar sobre elas conclusões precipitadas, mais ou menos, como nos exemplos seguintes: 


1 - O heterossexual não discrimina o homossexual apenas por saber que este mantém relações íntimas (mesmo que de forma reservada) com pessoas do mesmo sexo, mas por achar que ele (o homo) pode dar mau exemplo através de sua maneira de ser e influenciar as pessoas a terem, também, este comportamento fora do padrão tido como normal.
2 - Uma pessoa rica pode ter receio de andar em um bairro pobre não apenas porque este não tem estrutura, mas porque acha que lá podem ter muito assaltantes simplesmente porque seus moradores têm pouco dinheiro. 


Isso reflete puramente juízos de valor pois não existe nenhuma estatística que comprove esses pontos de vista. No entanto, como costuma acontecer em situações como essas, cada um vai especular à sua maneira e vai criar suas próprias justificativas.  


Mas a gente imagina que a relação "conhecimento x discriminação" deveria funcionar a partir da seguinte lógica: se uma pessoa é bem educada formalmente (possui bons níveis escolares, do básico ao superior), ela deveria ser capaz de ter uma visão mais ampla sobre as coisas, mesmo não entendendo sobre tudo. Assim, ela não deveria ter preconceitos a não ser que tivesse desconhecimento em relação a algum assunto em particular. Se assim fosse, isto isentaria o indivíduo da culpa sobre seu preconceito pois este seria originado pela sua ignorância em relação este assunto específico. 


Não obstante, soaria discriminatório se a gente aplicasse o argumento da falta de conhecimento às classes mais baixas, por exemplo, pois implicaria que estas seriam as mais preconceituosas por terem tido menos acesso à educação, cultura e oportunidades. Já as classes mais ricas seriam grandes exemplos de compreensão e convivência. 


Este raciocínio faz sentido, porém, não é o que se verifica na prática. Dentro de minha experiência pessoal vejo que muitas pessoas instruídas (e de nível social até melhor que o meu) alimentam uma implicância gratuita contra certos grupos sociais e pessoas de países e culturas diferentes, dentre outros, lembrando que coisas imateriais também podem ser seu alvo como um gênero musical, uma religião, uma profissão, uma palavra ou um software de computador. 


É claro que você, que está lendo este texto, acredita que uma sociedade mais instruída se torna menos preconceituosa. Eu também acredito nisso. Mas não acredito que uma sociedade 100% instruída consiga ser 100% evoluída - ou seja, sem preconceito algum. Isso porque, se pessoas que tiveram acesso a educação básica de qualidade, a uma faculdade e a mídias (jornal, livros, internet...) são capazes de alimentar uma rinha particular, sem explicação racional, sobre as coisas, é porque não é apenas a instrução o que vai resolver esse problema nelas. 


Conclui-se, nesse caso, que ter boa educação formal, por si só, não habilita ninguém a não se tornar preconceituoso. Veja que até o século XIX pessoas mais instruídas e conhecidas como "de boa família" aceitavam a ideia da escravidão como coisa natural. Hoje, uma parte da classe dominante (que é justamente a que mais tem acesso ao conhecimento formal) ainda aceita o racismo. Será que isso só acontece por falta de instrução? 


Entende-se, também, que o argumento da educação, quando esta é insistente no aspecto de formar o indivíduo para a sociedade, para muitos, resolveria problemas deste tipo. Mas é fato que, é impossível dissociar esse indivíduo do resto da sociedade, portanto, por mais que se eduque, as pessoas vão absorver outros tipos de informação durante seu crescimento e vão adquirir a capacidade de decidir por si mesmas o que lhes parece correto. Insistir além disso, seria uma tentativa de adestramento, o que não é correto quando se fala em respeito à individualidade humana. 


No entanto, por mais que tenham cultura e informação, pessoas podem manisfestar antipatias diversas - e criar seus argumentos para justificar isso. O mais espantoso é que neste grupo estão incluídos aqueles que sofrem, ou já sofreram, algum tipo de discriminação, ou seja, são pessoas que estão, ou já estiveram, no lugar do outro e deveriam se sentir na obrigação de entender, por esta condição, o quanto este tipo de comportamento é nocivo e, que, portanto, não deveria ser praticado. 



Mas quem já foi discriminado, pode discriminar? 


Não deveria. Na verdade, ninguém deveria, principalmente se consideramos o fato de que nenhuma pessoa pertence a apenas um grupo social ao mesmo tempo, portanto: 
1 - Uma pessoa pode ser branca, do sexo masculino e heterossexual. 
2 - Outra pode ser negra, do sexo masculino e heterossexual. 
3 - Outra pode ser branca, do sexo feminino e heterossexual. 
4 - E outra pode ser negra, do sexo feminino e heterossexual.  


Todas essas pessoas acima podem nutrir preconceito, por exemplo, contra o homossexual, porque são todas hétero. No entanto, apenas a 2 e a 4 poderiam ser vítimas de racismo. Já a 3 e a 4 podem ser vítimas de machismo. A 4 pode ser vítima de machismo e de racismo ao mesmo tempo. A 1 possivelmente não seria vítima de nada, a não ser que, por exemplo, fosse analfabeta. Na verdade, todas podem ser vítimas de preconceito, porque podem guardar outras características além destas citadas e, curiosamente, todas elas também podem discriminar. 


Só a título de curiosidade, perceba que, como nos exemplos citados, essas diferenças fazem com que a gente se separe em grupos (e se una, ao mesmo tempo): homens x mulheres, brancos x negros, homos x héteros, além de pobres x ricos e conservadores x progressistas, dentre vários outros. Unir-se em grupos a partir das semelhanças é uma forma de se proteger e de, quem sabe, garantir sobrevivência. O mais absurdo, porém, é a gente imaginar que, dentro da civilização, nos protegemos de nós mesmos mas, de fato, o nosso maior inimigo anda sobre duas pernas, fala e escreve, assiste televisão, acessa internet e é capaz de fazer coisas inacreditáveis (boas ou ruins). Não à toa, no Brasil, morrem mais de 60 mil pessoas, por ano, de morte violenta intencional (dados de 2017). Um número que mostra que o fato de nos comunicarmos através de uma linguagem verbal (fala) não determina que a gente se entenda, assim como estar evoluído em diversos aspectos não impõe que a gente se comporte também de maneira evoluída. 


Mas como as pessoas não podem viver numa sociedade onde existam apenas clones de si mesmas (porque isto é impossível), têm que conviver com outras que, como já havia dito, sempre vão guardar uma diferença, por mínima que seja, em relação a elas, por isso, nossa capacidade de não enxergar o outro como inimigo será um elemento importante nessa relação. Mas isso só poderá se fazer sentir se a gente não alimentar nenhuma rinha com as pessoas apenas porque elas têm um aspecto físico que a gente não gosta (cor, largura, tipo de roupa, tipo de cabelo, adereços e tatuagens, etc) ou um comportamento que a gente considera inadequado (postura sexual mais liberal, vaidade excessiva, muita ou nenhuma religiosidade, vestir-se de forma muito descontraída, falar errado, etc). 


Contraditoriamente, a gente vê, todos os dias, diferentes casos de pessoas de todos os grupos sociais que cometem algum tipo de falta contra seus semelhantes (humanos). Nessas situações, a gente costuma olhar mais a situação da vítima e não se importa (tanto) em notar as características do algoz, salvo casos em que haja um antagonismo evidente nessa discriminação (ou crime). Por exemplo, quando um homem mata uma mulher, a diferença de gênero fica evidente, porém, não se costuma questionar a etnia ou classe social deste homem, apenas a diferença de gênero. Quando um branco discrimina um negro, fica clara a diferença de cor, mas niguém se importa se o discriminador era feio, gordo, careca, classe média, pobre, rico ou o que seja. Vale também quando alguém de classe média reclama do "ex-pobre" que passou a andar de avião e os espectadores apenas criticam o fato da classe social do opressor, mas não se comenta se este é homem, mulher, gay, loiro, moreno, professor, artista plástico, administrador de empresas, etc. Em suma, qualquer um pode cometer suas faltas. 


Note ainda que: 
1 - Quando você é discriminado por quem é diferente de você, para essa pessoa, o preconceito exercido por ela faz sentido. 
2 - Quando você exerce o seu, ele também faz sentido para você. 


Perceba que as duas situações são idênticas: enquanto alguém discrimina você por ser diferente, você também discrimina alguém pelo mesmo motivo. E cada lado sempre se achará numa razão irrefutável e dificilmente aceitará que está errado. 


É certo, porém, que sofrer preconceito não capacita ninguém, automaticamente, a compreender o preconceito que o outro sofre. Isso vale para o negro, para a mulher, para o homossexual, para o nordestino, para o imigrante, para o pobre ou quem quer que seja que sofra algum tipo de discriminação. Ao contrário disso, ser alvo de preconceito, deveria dar a quem sofre consciência suficiente para que não fizesse o mesmo com o outro, pois quando se é a vítima, sente-se a dor na pele. 


Mas entendendo que o discriminado também pode ser discriminador, surge então a dúvida: alguém que discrimina tem respaldo para reivindicar respeito? Pergunto porque acho que deve haver uma lógica saudável (e uma coerência) nas relações entre as pessoas, assim se você exige respeito, deveria ser capaz de o dar em troca antes. 
Exemplos: 
1 - Se você é uma mulher branca e chama um negro de macaco, você pode se achar no direito de cobrar respeito em virtude da sua condição de mulher? 
2 - Se você é negro e espanca uma mulher, tem o direito de cobrar respeito em virtude da sua condição de negro? 
E ainda: ser homossexual e humilhar alguém por ser de classe baixa. Ser de classe baixa e fazer troça de um transexual. Ser transexual e ridicularizar um analfabeto. Ser analfabeto e surrar uma mulher... 


Não estou afirmando que estas pessoas não podem cobrar respeito em nenhuma circunstância. Se elas se acharem no direito, ninguém pode impedir. O problema é você se lembrar do seu direito e esquecer que o respeito que o outro nega a você está na mesma condição do respeito que você nega a algum outro. É uma condição moral. 


Curioso é que o mundo é muito grande para que a gente se sinta seu dono e, por tabela, se ache na autoridade de decidir quem tem passe-livre nele e quem não tem. Mas se a gente só consegue viver uns 100 anos de idade (se tiver muita sorte) então não dá pra achar que "nosso" planeta será nosso para sempre. Não será. E o que restar de bom ou ruim nele, quando a gente partir, será um pouco por culpa nossa. Desse modo, uma de nossas premissas básicas deveria ser a de que, se quisermos viver bem nesse pouco tempo que nos resta, deveríamos permitir que com os outros também acontecesse o mesmo. Contudo, como não há uma lei que manipule nossos pensamentos, podemos sentir, em algum momento, que representamos o que há de correto (apenas porque achamos isso), o que pode nos levar a enxergar as outras pessoas que são diferentes de nós como indivíduos que não merecem uma consideração igual àqueles que nos são semelhantes. 


Acredito, então, que se queremos viver num ambiente onde a palavra "respeito" seja realmente prevalente, nós é que devemos praticá-la em primeiro lugar. Não podemos cobrar das pessoas o que achamos que nos cabe sem antes fazer a nossa parte. Não dá para nos vitimarmos por pertencer a determinado grupo social, sermos intolerantes com os outros e querer que os outros sejam tolerantes conosco porque estes devem ser mais compreensivos em relação às nossas diferenças do que nós em relação às deles. 


Assim, é primordial entender que: vitimar-se pelo que se sofre não justifica a contrapartida de vitimar ninguém e que, exercer conscientemente o preconceito, certamente, tirará nossa própria razão para cobrar dos outros o respeito que esperamos destes para nós. E, finalmente, se chegamos à conclusão de que o preconceito realmente não faz sentido, então é importante pensar que se a diferença do outro não afeta diretamente nossa vida, o direito de ser o que se é deve sempre assistir cada um. 




Leitura complementar:


• Toda Matéria - Preconceito 
• Significados - Preconceito
• Infoescola - Preconceito
• Geledés - PRECONCEITO: O que é? Possuímos? Como evitá-lo?
• Wikipedia - Discriminação 
• Ciberdúvidas - Sobre a formação da palavra preconceito 
• Educação UOL - Formação de palavras
• Notícias UOL - Número de mortes violentas no Brasil chega a 63,8 mil em um ano 
• G1 - A cada 100 vítimas de homicídio no Brasil, 71 são negras, diz estudo
• Geledés - Brasil tem a liderança mundial de mortes por preconceito 
• 16 famosos acusados de bater em mulheres 



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