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  15/07/2019  •  Sociedade  •  2521 hits  •  3 comentários ⇣

Ideologia de gênero - o que é esse bicho e quem ganha com isso

Ideologia de gênero: mas, afinal, que bicho é esse? 
Tentar entender o que este termo tão comentado significa foi o motivo que me levou a diversos outros sites antes de escrever este artigo e, provavelmente, é o mesmo que lhe trouxe até aqui. Inclusive, porque fala-se muito mas explica-se pouco. E se essa tal de ideologia de gênero é uma coisa obscura até para as pessoas que já têm opinião formada a respeito (e que a condenam), imagine para quem ainda está buscando informação. Para completar, é uma expressão originada de duas palavras de significado amplo e impreciso, o que confunde ainda mais. 


Tudo bem, a gente jura que compreende o que significa ideologia e, também, o que seria gênero mas, quando juntamos as duas coisas, não entendemos direito a relação e - pela maneira como se tem falado - ficamos com a impressão que estamos diante de um enigmático e apavorante problema moral. 


O termo "ideologia de gênero", aparentemente, foi cunhado na Conferência Episcopal Peruana, em 1998, em que um dos temas abordados era a "Ideologia de gênero: seus perigos e alcances". Desde então, este termo tem se tornado relativamente comum e acabou ganhando corpo, provavelmente, em virtude de uma determinação do MEC para que o Plano Nacional de Educação (PNE) incluísse em suas diretrizes, metas de combate à desigualdade de gênero no país (a partir dos Estudos de Gênero). Isso gerou uma discussão que fez com que setores mais conservadores da sociedade manifestassem sua reprovação e que teve como ápice as "acaloradas" campanhas presidenciais de 2018. 


Mas antes de se discutir "ideologia de gênero" talvez fosse bom, primeiro, tentar definir o que seriam ideologia e gênero, separadamente. 


"Ideologia", segundo o canal "Leitura ObrigaHistória" (Youtube), possui uma quantidade enorme de conceitos, e alguns até se contradizem tal a disparidade entre eles. Mas, é natural que, com o tempo, estes conceitos se desdobrem e a gente acabe por encontrar significações diversas para o mesmo termo, o que, por sua vez, acaba por confundir as pessoas e a fazer com que, por questões particulares, prefiram esta ou aquela outra. O leitor, inclusive, pode discordar da minha definição abaixo e se identificar com outros significados. E, para quem ainda continuar indeciso sobre o que seja ideologia, pode visitar os links colocados lá no final do artigo, ler os textos com atenção e tentar encontrar o conceito que melhor se encaixa dentro de sua lógica. 


Mas ideologia, de acordo com o senso comum e com o entendimento na minha época de adolescência (quando Cazuza, ainda vivo, cantava "Ideologia... eu quero uma pra viver"), é um conjunto de pensamentos e ideias utilizados em conjunto, voltados a um propósito, a um objetivo, relacionado, principalmente, a questões políticas e sociais. Vasculhando pela internet é possível encontrar diversas outras definições, inclusive por diversos pensadores, tais como Karl Marx. Na visão do filósofo, seria "um instrumento de dominação que age através do convencimento (e não da força física), alienando a consciência dos trabalhadores da sua condição de explorado", ou seja, possuía um caráter político, utilizado pela burguesia com o objetivo de perpetuar seu status quo. Com certeza não seria a visão que Cazuza tinha e nem a mesma da maior parte dos jovens que conheci naquele período em que o cantor fez sucesso - e nem de outros colegas mais politizados que, inclusive, liam Marx. Ao contrário, ideologia, para muitos, tem um significado positivo, algo ligado a um ideal de libertação ou de construção de uma sociedade melhor. 


"Gênero" é outro termo que causa certa confusão pois, assim como ideologia, tem um significado abrangente. Além da relação com os paradigmas comportamentais humanos, a palavra é usada para designar estilos de música, tipos de alimentos, estilos literários e, também, para classificar seres vivos. Só a título de curiosidade, segundo a taxonomia (que é a ciência que classifica as plantas e os animais), somos identificados como Homo sapiens - a despeito das burrices que cometemos de vez em quando. Homo e sapiens são dois taxons (termos) em que o primeiro define nosso gênero e o primeiro + o segundo definem nossa espécie. Vale ressaltar que o fato de nós humanos sermos do gênero "Homo" nada tem a ver com uma possível identificação de gênero nossa voltada para a homossexualidade. Este taxon "homo" vem do latim e significa "homem". O termo "homo" de homossexualidade vem do grego e significa "igual". A classificação taxonômica, inclusive, não aborda sexualidade mas a diferença entre os seres vivos, puramente. 


Então, vale desmistificar: gênero não é sexo e nem sexualidade, mas uma condição comportamental que a sociedade espera de um indivíduo, em que se toma como base seu sexo biológico. Esta condição é entendida como uma construção social e está muito mais relacionada a uma maneira de se portar, e não a uma preferência por indivíduos deste ou daquele sexo. Talvez essa confusão aconteça porque sempre que preenchíamos documentos, já há anos, nos deparávamos com as opções especificadas para gênero como "masculino" e "feminino". Entendíamos que isso dizia respeito, simplesmente, ao nosso sexo de nascença e, nesse caso, realmente, era. 


Mas esse entendimento de que existe uma construção social se deve ao fato que, diferentemente dos animais não humanos, nós utilizamos muito mais o raciocínio do que o instinto. Isso sugere que ideias e formas de comportamento que assumimos não são inatos mas gradualmente embutidos em nossa cabeça desde pequenos, o que nos faz crescer entendendo essas coisas como verdade. Não que algumas delas não possam ser mas, ao contrário do que se  pensa, nem todos os nossos comportamentos e impressões sobre o mundo - e sobre as pessoas - são uma coisa natural. É importante ressaltar que quando se fala em construção social de gênero não está se falando em construção da sexualidade. Sexualidade não se constrói e, como no caso dos animais, nascemos com nossa própria orientação sexual e seguimos com ela a vida inteira. Enfim, nascemos hétero ou homo e isso não é mutável nem por educação e nem por imposição. 



Mas qual a importância de se falar sobre gênero? 


Falar sobre gênero diz respeito a entendermos que a maneira como a sociedade trata as pessoas, com o passar do tempo, muda - e nós, mesmo que a contragosto, temos de nos adaptar. Antes, a mulher, que ficava cuidando da casa, tempos depois, passou a trabalhar fora. O negro, oficialmente, deixou de ser escravo e, atualmente, em certas circunstâncias, trabalha em pé de igualdade com o branco. Os pobres passaram a ter mais acesso à educação formal e, como as pessoas de etnia negra, têm, agora, mais oportunidades de crescimento social. 


O mundo ficou melhor no sentido de como os grupos humanos se tornaram mais incluídos. Mas isso só pôde acontecer porque, após as reivindicações de cada grupo subjugado, os grupos que subjugavam tiveram de ceder e, as pessoas, de forma geral, cresceram adaptadas a estas novas realidades. Hoje, se tornou mais natural o que antes era motivo de conflito. 


Isso eliminou os problemas? Não. Mas permitiu que todos (ou a maior parte) pudessem ter melhores oportunidades de (pelo menos) mostrar que seus papéis sociais enquanto indivíduos (independentemente do grupo ao qual pertencem) podem estar além do que os grupos hegemônicos tinham definido - como, por exemplo, o de que a mulher é uma eterna dona de casa, o de que o negro só serve para serviços subalternos ou que pessoas com deficiência são sempre incapazes e dignas de nossa pena. 


No caso do papel atribuído ao gênero feminino, este deixou de ser o de simples cuidadora do lar (a despeito de que isso não é algo aviltante) para ter uma importância similar ou igual à do marido na subsistência da família e na manutenção do domicílio. Não que ela tenha se tornado igual ao homem, de maneira alguma, mas passou a ter a oportunidade de mostrar que tem a mesma capacidade que este para se sustentar e/ou sustentar a casa.


Para as mulheres que nasceram depois (ou pouco antes) dos anos 2000, é meio difícil entender que para que o sexo feminino tivesse direitos similares (ou iguais) aos dos homens, como têm hoje, foi necessário passar muito tempo e foi necessário que muitas outras mulheres antes, especialmente a partir do século XIX, tivessem que tomar a frente em suas reivindicações. Graças a isso, puderam ter direito de votar, de frequentar a escola como os homens, de trabalhar fora de casa, de ter remunerações melhores, de usar calças no dia a dia, etc. Quem nunca estudou estes fatos históricos, infelizmente, acha que foi sempre assim. Por isso, ainda - e desconsiderando os extremismos -, a importância dos movimentos feministas. 


De fato, os costumes mudaram - o que hoje parece muito natural, antes não era. Porém o mundo não desabou por causa disso, a sociedade não de desestabilizou, um gênero não prevaleceu sobre o outro, os papéis não se inverteram e os homens continuaram levando sua vida como de costume. 



A diversidade


Diversidade é uma qualidade daquilo que é diverso. É uma coisa que, como a própria natureza, já existe muito antes da gente nascer - vide a quantidade de plantas e animais diferentes que habitam (ou habitaram) o planeta. Diversidade não é diversão, não é determinada pela idade e ninguém precisa divergir porque ela existe. Mais do que um fato, diversidade é uma necessidade - e que torna o nosso dia a dia mais completo.


Se você chega num supermercado, por exemplo, encontra uma diversidade considerável de produtos. Um para a necessidade de cada pessoa, como um tipo de pão, um tipo de fruta, um tipo de tempero, um tipo de brinquedo, etc. Numa loja de roupas, numa banca de revistas e até numa simples caixa de lápis de cor ela se faz presente. Nesta, há lápis de cores diversas e que têm a sua utilidade para cada coisa que a gente vá pintar, para os diversos tipos de desenho e para as diversas maneiras de se enxergar o mundo. 


Mas diversidade existe também em grupos humanos. Numa cidade podemos encontrar pessoas que são de cores diferentes, pesos, alturas, idades, situações econômicas, variedades de beleza, etc. Uma cidade não pode ser criada para que nela viva só um tipo de gente. Imagine, por exemplo, uma composta só de homens. Nela, estes homens poderiam se divertir bastante falando de futebol e tomando cerveja mas não poderiam se reproduzir e, então, a sociedade, em algum momento morreria. 


Geralmente, aonde se vá, a diversidade estará presente. Só que a despeito disso e de ser um termo muito falado, as pessoas estão entendendo diversidade como algo relacionado a sexo - e, por tabela, como uma coisa moralmente ruim. Mas quando se fala em diversidade, hoje, fala-se na possibilidade de pessoas diferentes estarem nos mesmos ambientes como, por exemplo, quando se coloca mais negros em novelas e comerciais de TV. Pode ser também quando mulheres passam a adentrar espaços profissionais tidos como masculinos como a engenharia, a polícia e o futebol. Ou pode ser quando os homens entram em espaços considerados femininos como a culinária, a dança e a moda. Há diversidade quando as pessoas se misturam em espaços e atividades. A diversidade é tão diversa que não dá para ficar imaginando que ela se limita a um grupo de gays vestindo roupas coloridas e invadindo o mundo dos heterossexuais. Diversidade, por si só, não significa diversidade sexual! 



O kit gay


Em 2004 foi lançado o programa Brasil sem Homofobia pelo Ministério da Saúde, que trata da criação de ações e condições para se minimizar os efeitos do preconceito em relação a homossexuais no país. A partir desse programa foi elaborada a cartilha "Escola sem Homofobia", que seria lançada em 2011, mas, devido à pressão de setores mais conservadores da sociedade, o lançamento não aconteceu. Foi definitivamente vetado pelo Governo Dilma.


Esta cartilha era exclusivamente destinada a professores de escolas de primeiro e segundo graus (para alunos a partir de 11 anos). Os alunos não tinham contato com o material, apenas participariam das dinâmicas sugeridas na cartilha. Em conjunto com esta, foram criados, em 2008, alguns vídeos que tinham o intuito de discutir temas ligados à sexualidade, principalmente na adolescência. 


Os elementos constitutivos do tal kit, portanto, eram: 
• A cartilha Escola sem Homofobia - Acesse o PDF aqui
• Os vídeos sobre sexualidade: Medo de quê?Boneca na mochila e Torpedo
Apenas estes materiais. Nada mais. 


Acontece que, posteriormente, na campanha presidencial de 2018, foi divulgado - por ignorância ou simplesmente má fé - mais um elemento que seria constituinte do "kit": um livreto de título "Aparelho Sexual & Cia.". Este material é francês, é dirigido a jovens, sim, e trata de sexualidade de uma forma mais aberta, mas nunca foi adquirido pelo MEC para distribuição nas escolas e nunca fez parte do tal kit gay. Inclusive, pelo fato de não ser um livro criado pelo Governo, pode ser encontrado em qualquer livraria como SaraivaCultura ou Amazon


Concomitantemente, a cartilha foi anunciada e discutida na imprensa conservadora com viés nitidamente repreensivo, citando trechos do material de uma maneira que pudesse despertar no leitor uma certa ojeriza pelo que, de fato, este não tinha conhecimento. É sabido que o que fosse divulgado na mídia iria ser, fatalmente, tomado como verdade porque ninguém iria gastar seu próprio tempo para pesquisar sobre o assunto e para ler uma cartilha com mais de 120 páginas. A "Escola sem Homofobia", em contraposição ao que foi alardeado, traz, para o professor, informações sobre os temas homofobia e sexualidade e instruções de dinâmicas para serem trabalhadas em sala de aula. É uma cartilha instrutiva, porém, questionadora. Mas não tem trechos de texto incitando ninguém a ser homossexual. 



A ideologia de gênero não existe 


A ideia da existência de uma ideologia de gênero, com pessoas de mentes demoníacas (que nunca foram encontradas) tentando maquinar uma maneira de transformar todas as nossas crianças em minihomossexuais é um pensamento regressista e absurdo. 


Essa visão, calcada exclusivamente em argumentos morais, alimenta a ideia de que nossos jovens serão pervertidos se falarmos desde cedo sobre sexo com eles. A gente tem que entender que, quando uma criança pergunta coisas relacionadas a suas diferenças em relação aos demais ou sobre seus órgãos sexuais, por exemplo, ela não está falando sobre sexo. Está querendo sanar uma curiosidade, algo natural para a idade dela - afinal, ninguém nasce sabendo. O entendimento sobre o que é sexo, de fato, quem tem somos nós. Não dá para achar que a criança, com pouca informação e sem experiência de vida, seja capaz de ter sobre o assunto a mesma compreensão que nós temos. Isso é, no mínimo, ingenuidade. 


Por isso, instruir crianças no início da puberdade (a partir de 11 anos, como sugere a cartilha do governo) sobre sexualidade e gênero não é sexualizá-las. É, ao contrário, dar-lhes um suporte informacional, uma consciência que as permita, dentre outras coisas, se proteger de adultos mal-intencionados e, também, fazer com que entendam que não devem discriminar seus colegas ou amigos por apresentarem determinados comportamentos "fora de padrão". 


Existe diferença, aliás, entre aprender e praticar. Quando se faz um curso de universidade está se estudando para o exercício de uma profissão no futuro. Da mesma forma, quando os  jovens são instruídos sobre sexo, está se dando a eles o conhecimento para que, quando chegue a idade certa, evitem fazê-lo da forma errada (se expondo a alguma DST, por exemplo, ou gerando uma gravidez indesejada), o que pode alterar suas vidas para sempre. 


É ridículo imaginar que o jovem deve ser privado de qualquer conhecimento sobre sexo e, quando tiver 16 anos, vai fazer um "intensivão da sexualidade", aprendendo tudo sobre o assunto de uma hora para outra. Assimilamos as coisas da vida de forma compassada. É assim que funciona melhor. E não tem um grupo de pessoas depravadas querendo, através da suposta ideologia de gênero, perverter as crianças do país pelo simples prazer de perverter. Entender deste modo é revelar a própria maneira sexualizada de enxergar as coisas. 



A ideologia de gênero já existe 


Mas, no fundo, existe uma série de ideias que, desde que o homem se estabeleceu como componente de uma sociedade mais organizada, procura perpetuar não só a noção de diferença de comportamentos, como de anseios e capacidades entre os gêneros. Isso variou de época para época e acontece no mundo inteiro, mesmo que de lugar para lugar se dê de modo diferente - A exemplo, veja que países de religião cristã tem uma ótica bem diferenciada (e mais liberal) de enxergar direitos e papéis da mulher em relação aos países de religião islâmica, e isso abrange educação, matrimônio, trabalho, etc. Imagine como se sentiria uma mulher americana se tivesse que ir ao shopping de hijab ou se casar com o marido que a família escolheu? Isto é totalmente fora de seu contexto de vida. 


Mas quando as pessoas dizem coisas como "Homem não chora", "Mulher decente não fala palavrão", "Homem de verdade não leva desaforo para casa", "Mulher no volante é um perigo constante", "Homem que é homem gosta de futebol", "A mulher é o sexo frágil", "Marido traído lava a honra com sangue" ou, quando o pai, no interior, coloca o filho jovem numa casa de prostituição para que este perca a virgindade cedo, está se tentando condicionar nos indivíduos determinados comportamentos de gênero. Sim, isso nada tem a ver com uma reversão de orientação sexual. Pelo contrário, é uma forma de impor a estes que sua maneira de se portar na sociedade, baseada em seu sexo biológico, já foi definida. 


Pensamentos deste tipo acabam por criar uma cultura de que homens só são homens de verdade e que mulheres só são mulheres se satisfizerem pontos de vista como os que foram citados. Estranhamente, estes raciocínios prontos foram criados há décadas - ou séculos - por pessoas que não conhecemos, mas que são tomados como verdade, como se nós tivéssemos a obrigação de honrar nosso gênero (masculino ou feminino) através deles. 


Se existe realmente uma "ideologia de gênero", então, é este conjunto de pensamentos que deve ser entendido como tal, mesmo que, neste caso, os pontos de vista sejam utilizadas de forma aleatória, ao contrário de como aconteceria numa ideologia de verdade. 



E quem ganha com isso? 


A ideia da existência de uma ideologia de gênero que é capaz de transformar a sexualidade das criancinhas e pervertê-las, é um argumento suficiente para atemorizar pelo menos alguns milhões de brasileiros. Pessoas e grupos de interesse ligados à mídia e à política se valem muito desse terrorismo moral para garantir seus empregos e sua subsistência. São eles: políticos e religiosos de perfil conservador, apresentadores de programas de rádio e TV, blogueiros e digital influencers. Obviamente, não são todos, mas uma parte. São pessoas e grupos de linha mais tradicionalista que se utilizam de discursos voltados para a "proteção da família tradicional, para a preservação da moral e dos bons costumes". 


São indivíduos com certo respaldo popular e que levantam bandeiras apoiadas em algum acontecimento circunstancial (como o lançamento do kit gay) ou na própria ignorância e falta de proatividade de parte da população em se dispor a procurar a verdade sobre as coisas, pesquisando - Logo nos dias de hoje, em que muitos têm acesso à internet até pelo smartphone, sem precisar procurar informações em jornais ou revistas impressas. Mas é fato que esta parcela da população vai, simplesmente, acreditar e se apoiar nessas pessoas, esses falsos líderes que detêm o dom da retórica das segundas intenções. 


Moramos num país em que: 
1 - Jovens a partir dos 16 anos já podem votar. 
2 - O Código Penal descriminaliza ato sexual com adolescentes depois  dos 14 anos
3 - Jovens a partir de 14 anos já podem trabalhar (na condição de aprendiz). 
4 - 84% da população concorda com a redução da maioridade penal (alguns para 16, outros para 14 anos). 
5 - Ao mesmo tempo, alguns pais acreditam que seus filhos deveriam ter o direito de dirigir já a partir de 16 anos. 


Veja que uma boa parte da sociedade (e, inclusive, a lei, em certos casos) atribui aos nossos jovens certas capacidades, como a de assumir responsabilidade sobre seus atos. Estas atribuições (desde que não envolvam sexo) também são defendidas por grupos conservadores (os mesmos que propagam a existência da ideologia de gênero) e que sustentam, por exemplo, que a entrada do jovem no crime é muito mais uma questão de escolha do que de vulnerabilidade social. Ainda que seja mais uma coisa do que outra, é estranho - e contraditório - se achar que um adolescente de 14 anos, por exemplo, pode ir para a cadeia como um adulto e acreditar também que, quando se trata de sexo, este não tem capacidade de discernir sobre o que faz - a ponto de alguns o enxergarem como uma criança, tal o pudor com que o tema é tratado.  


Segundo pesquisa da OMS "o Brasil tem 68,4 bebês nascidos de mães adolescentes a cada mil meninas de 15 a 19 anos" (2018), sendo "a mortalidade materna uma das principais causas da morte entre adolescentes e jovens de 15 a 24 anos". Para não falar dos casos de jovens com menos idade: "mais de 27 mil bebês nascidos de meninas entre 10 e 14 anos" em 2011. Para o ECA, a infância termina ao final dos 11 anos e, no entanto, garotas, com menos idade ainda, já estão se relacionando e tendo filhos. 


Considerando que nem sempre os pais têm capacidade de educar suas crianças para o relacionamento com os demais (passando entendimentos sobre respeito, sexualidade, altruísmo, obrigações, etc), cabe perguntar com quem ficaria essa responsabilidade. Para pessoas mais conservadoras, cabe aos pais. Para os mais progressistas, essa pode ser também uma das atribuições do Estado. Fato é que, sem informação, jovens estão tendo relações sexuais, fazendo filhos e adquirindo doenças desde cedo. Fato também é que se os filhos não podem ser educados na escola sobre certos assuntos - como sexualidade -, que os pais se instruam e o façam dentro de casa. Mas tratar o problema sob uma ótica moralista não constrói conhecimento em ninguém. 


Sob esta ótica, inclusive, é que se sustentam os grupos de interesse. Apresentadores de rádio e TV que se colocam como os "salvadores da pátria" se mantém através de sua carteira de anunciantes, apoiados nos bons índices de audiência que seus programas "voltados à família" proporcionam. Assim como os pastores e religiosos que cobram o dinheiro dos fiéis prometendo livrá-los do mal proporcionado pela "crescente sexualização da sociedade" (como se eles mesmos também não tivessem seus relacionamentos, vide o caso dos padres pedófilos nos Estados Unidos, o abuso de freiras no Vaticano e do "médium" João de Deus aqui no Brasil). Para não falar da classe política, em que parte desta já tem a sua área de atuação definida, já tem o seu eleitorado e precisa, através deste, garantir seu sustento e sua aposentadoria (utilizando-se, para isso, do hasteamento das lucrativas bandeiras da moralidade).


Neste jogo de interesses, se esta parte da população, tão idólatra e carente de salvadores, buscasse se informar mais, talvez acreditasse menos em palavras com interesse escuso e em armações de lógica forjada, como este vídeo, e fosse menos vítima de manipulações. Como diziam os Garotos Podres na década de 1980: "Não acredite em falsos líderes, pois um dia, todos vão te trair". Passados mais de trinta anos, esta dica ainda vale. 



Final


A ideologia de gênero heterossexual, aquela que não é divulgada pela mídia conservadora é quem, de fato, cria instabilidades nas relações entre os indivíduos. Livrar-se de ideias como a de que homens vestem azul e mulheres vestem rosa (como se isso fosse uma obrigação) é entender que para, que as pessoas convivam bem, não é necessário se padronizar (todos os) comportamentos. 


crescente violência urbana, em que marmanjos se matam no trânsito ou em brigas de bar para não engolir desaforo - ou quando agridem ou matam suas mulheresnamoradas ou paqueras, apenas por se acharem na posse de seu corpo - mostra que, principalmente, por uma questão de autoafirmação de gênero, a parte masculina da sociedade, sem se aperceber, cresce culturalmente mal influenciada neste aspecto, e de geração a geração. Por isso, a necessidade de desconstrução destes paradigmas comportamentais. É preciso se evitar essa quantidade de agressões, estupros e mortes através da incorporação e difusão de uma cultura de maior tolerância entre as pessoas. 


Enquanto falsos salvadores e messias estiverem criando e embutindo na cabeça da população os "fantasmas dos maus costumes" e desviando a atenção da sociedade de um de seus grandes problemas, que é a relação entre indivíduos de caráter duvidoso, o mau empresariado e a política oportunista, muita gente vai continuar sendo levada no bico. 


E os pais que acreditam na ideologia de gênero que perverte criancinhas poderiam fazer melhor por seus filhos como, por exemplo, controlar o celular ou computador que utilizam (para evitar que estes proporcionem neles a sexualização precoce e desinformada que tanto amedronta), observar quem de fato são seus amigos e, principalmente, procurar imbuí-los de valores importantes, como a honestidade, a tolerância e o altruísmo. Sem estes valores, esses mesmos pais correm o risco de perder seus filhos, não para a ideologia de gênero, mas, para a parte violenta e estressada da sociedade que não aprendeu por seus pais (e por ela mesma) que seus dessemelhantes (inclusive, por desigualdade de gêneros) não são, necessariamente, inimigos. 


Reflexões e grande abraço. 



Referências e leitura complementar 


Ideologia 
Wikipedia - Ideologia 
Leitura ObrigaHistória - O que é ideologia (vídeo) 

Gênero 
Wikipedia - Gênero 
Maxwell - Gênero (PDF) 
EBC - Entenda a polêmica sobre a discussão de gênero nos planos de educação 


Ideologia de gênero 
Significados - Ideologia de Gênero 
Café História - Gênero não é ideologia 


Mulher na história 
JUS - O papel da mulher do início do século XX ao XXI 
Moda - História das Calças Femininas | Wikipedia - Mulheres de calças 
Brasil Escola - A evolução da mulher no mercado de trabalho 
SBHE - Um olhar na história: a mulher na escola (PDF) 
Unicamp - A mulher na história da educação brasileira: entraves e avanços de uma época (PDF) 
O Globo - Padres submeteram freiras à escravidão sexual 
Wikipedia - Mulheres no Islã 


Educação 
Periódicos FACED - Alfabetização no Brasil 
Brasil Escola - Alfabetização nos dias atuais - o que mudou 
Programa Brasil sem Homofobia (Texto) 
Programa Brasil sem Homofobia (PDF) 
Caderno Escola se Homofobia (PDF) 
Comprova - Kit Gay nunca teve livro Aparelho Sexual e Cia. 


Infância e adolescência
BBC News - Como e quando falar sobre sexualidade com as crianças 
Unicef - Convenção sobre os Direitos da Criança 
Wikipedia - Puberdade
Wikipedia - Adolescência 
Brasil Escola - Gavidez na adolescência 
G1 - Gravidez na adolescência acima da média latino-americana 
BBC News - Pedofilia na Internet 
Politize! Redução da maioridade penal 
Politize! Tudo sobre a maioridade penal 
G1 - 84% das pessoas a favor da redução da maioridade penal 
Super Interessante - 6 lugares que já reduziram a maioridade penal 
UOL - Com redução da maioridade, jovem de 16 anos poderá dirigir? 
Lei criminaliza ato sexual com menor de 14 anos 


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Fred | 02/12/2019 | Comentário 1
Parabéns pelo texto. Estou impressionado com a qualidade da sua pesquisa. Na época da polêmica, eu fiz a pesquisa antes de emitir opiniao e vi que de fato “aquele kit gay” nunca esteve no MEC. Uma pena que o governo nao se pronunciou como deveria e deixou a mentira crescer. abraços
ANDERSON LUIZ FERREIRA DA SILVA | 05/08/2019 | Comentário 2
Percebo que a página aborda de maneira bastante enriquecedora os assuntos, infelizmente deixa claro a indução em fazer valer o seu ponto de vista, e isso diminui o carácter de impessoalidade e o direito dos leitores em fazer seus próprios contrapontos. E para terminar digo que Ideologia de Gênero existe sim, tanto que está aí para todos lerem, observarem, analisarem e formularem suas próprias a acepções sobre o tema.
1 |  João Taboada | 21/09/2019
Anderson, infelizmente (ou felizmente), todos nós temos nosso ponto de vista sobre as coisas. É difícil ser totalmente imparcial. Mas qualquer um pode dizer sua opinião aqui, por mais discordante que seja (desde que não seja muito grosseiro). Mas a única ideologia de gênero que eu percebo que existe, como eu comento no texto, é aquela em que os machões fazem questão de se impor para os outros machões ou para as fêmeas da espécie. É o gênero masculino, há séculos, querendo dominar outros indivíduos do gênero masculino e, principalmente, do gênero feminino. Essas coisas, basta a gente ligar um jornal para ver todo dia. Obrigado pelo comentário e forte abraço.

      
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