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  01/10/2017  •  Sociedade  •  2205 hits  •  0 comentários ⇣

Essa tal de classe mérdia

O termo classe média surgiu no final do século XVIII, com a consolidação do capitalismo. Este, o sistema capitalista, pode ser resumidamente definido como a posse de meios de produção por particulares e a sua utilização para a obtenção de lucros. Uma das características desse sistema - no qual vivemos - é a possibilidade de ascenção social, coisa que praticamente não acontecia no sistema anterior, o feudalismo. Na verdade, no final do feudalismo existia a chamada burguesia, que era uma classe intermediária que se dedicava ao comércio e à prestação de serviços e que seria o equivalente à classe média, na época. 

O entendimento do que é, de fato, uma classe média é controverso. Alguns entendem, simplesmente, como a classe que fica no meio, intermediária entre os ricos e os pobres. Outros acham que a classe média não se resume apenas em ter uma capacidade financeira razoável, mas que está ligada também a fatores culturais e educacionais como, por exemplo, ter cursado ensino superior, o que permite estabelecer uma distinção entre a "classe média tradicional" e a chamada "nova classe média". 

Aqui no Brasil, pelo menos pelo governo, classe média é considerada uma classe social definida por seu poder aquisitivo e que vai, por incrível que pareça, de R$ 291,00 a R$ 1.019,00 de ganho mensal per capita. Estes dados são de 2012 e foram os mais atualizados que eu encontrei - mas, pelo menos, a partir deles, já dá pra ter uma ideia de como a classe média é classificada e, ao mesmo tempo, de como isso soa meio esquisito. Digo isso porque, um ganho de menos de R$ 300,00 por mês, mal dá para satisfazer as necessidades básicas do indivíduo. Some moradia, comida, transporte, água, luz (e, quem sabe, algum tipo de lazer rudimentar) e veja quanto você gastaria no final do mês.  

Os dados sobre a renda acima foram divulgados pela SAE, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (Governo Dilma - 2011 a 2016) em 2012, e colocam, aproximadamente, 104 milhões de brasileiros (mais de 50%) como pertecentes à classe média. Não consegui localizar alguma informação que explicasse o porque dessa classificação, o porque de estabelecer que uma renda tão insuficiente seja considerada como relativa à classe média e não a uma pessoa de classe baixa. O que dá para deduzir é que, reduzindo a faixa salarial, você consegue alçar numericamente as pessoas de baixa renda a uma classe mais alta e assim fortalecer o argumento estatístico de que houve uma conquista no que diz respeito à inserção social. 

Mas, para a maior parte da população, classe média é uma classe intermediária entre pobres e ricos (e é nesse raciocínio que ela é abordada aqui). E se as pessoas se inserem ou não nessa identidade de classe já é uma outra questão. Ela confere poder de compra de bens necessários à sua subsistência e, também, de bens, por assim dizer, supérfluos. Isto permite uma vida mais completa. Viver, mais do que apenas existir, significa a possibilidade de podermos satisfazer nossas necessidades básicas e, também, de podermos ter direito a coisas que não são necessárias apenas à nossa sobrevivência como ir ao cinema, viajar, presentear o filho com algum brinquedo, ter animais de estimação, adquirir livros, ir a um restaurante ou barzinho regularmente, comprar produtos importados nas lojas e supermercados, etc. A lista é grande. 

Ser de classe média é bom. Nela, conseguimos crescer com um nível de educação formal pelo menos razoável, conseguimos satisfazer nossos desejos de consumo de adolescentes, podemos ter a expectativa de uma boa colocação no mercado de trabalho e, dentre outras coisas, podemos nos divertir no final de semana sem que, para isso, passemos necessidade. Enfim, ter educação, lazer e oportunidades deveria ser uma condição ideal na qual todas as pessoas teriam de estar inseridas. 

Mas vale ressaltar que classe social, por si só, não define o caráter e nem o comportamento de ninguém. Estamos acostumados a achar que pessoas pertencentes a alguma hierarquia social pensam e agem igualmente porque vimos alguns exemplos disso. Não é verdade. O que acontece é que, de fato, as pessoas têm uma tendência a se subordinarem à sua condição, assim, fazendo parte de um determinado meio, se comportam de maneira parecida, mas isso não prova que todas são iguais. Desta forma, quando falamos em classe social, falamos em diferença de poder econômico (e, ao mesmo tempo, o que ele traz consigo), mas não falamos necessariamente em ideologia e forma de comportamento. 

Seria ridículo, você mesmo pertencer à classe média e criticá-la baseado no comportamento de algumas pessoas desta mesma classe como se isto fosse geral. Ora, se você acha que pensa e se comporta de maneira diferente de seu padrão de classe, porque outros também não poderiam? Assim são milhares de pessoas no país que criticam a classe média mesmo que, contraditoriamente, façam parte dela. Então, se existem tantas pessoas que pensam de forma diferente do padrão de sua classe, como afirmar que os indivíduos de sua classe pensam de uma forma padrão? Tosco.

Esse raciocínio contraditório foi o que justamente fez aparecer o termo que intitula este artigo: a classe mérdia. Quando se fala "classe mérdia", atribui-se a ela características negativas que seriam inerentes a todos os seus integrantes, e dentre as quais estariam:
• Consumismo
• Individualismo
• Exibicionismo
• Comodismo
• Revanchismo
• E o que mais puder ser atribuído de negativo.

Esse pensamento infeliz associa a tal da "classe mérdia" a uma postura mesquinha e consumista. Mas a classe média não é mesquinha e consumista. Pessoas são. E pessoas assim podem estar em qualquer classe social. E elas precisam apenas de uma oportunidade para demonstrar isso. É errado achar que quem já nasce numa melhor condição financeira, cresce mal acostumado e individualista. Se isso é verdade, o ideal seria que todo mundo nascesse pobre, assim as pessoas cresceriam humildes e sabendo valorizar a simplicidade e o altruísmo. Mas poucos indivíduos, por iniciativa própria, crescem educados para a valorização do ser humano e das relações sociais. Caso isso não aconteça, é uma coisa que precisa ser ensinada, e só poderá ser ensinada por pessoas que já possuam estes valores e isso não está relacionado a poder aquisitivo, ou seja, valores de respeito ao ser humano, animais ou meio ambiente podem estar em pessoas ricas, de classe média ou pobres. 


Ser classe média é ruim?

Do governo Lula ao governo Dilma, uma das conquistas propaladas foi a de que, nesse período, mais de 30 milhões de pessoas foram inseridas na classe média. Sim, a classe pobre teve, de fato, um ganho financeiro (Este artigo explica como isso aconteceu e este também). Isto quer dizer que mais de 30 milhões melhoraram de vida e puderam, a partir de então, satisfazer além de suas necessidades básicas, as não básicas, também. Nesse caso, estar na classe média, a partir de então, seria positivo? 

Sim, seria. Na verdade, a ideia é que com a redistribuição de riquezas os pobres deixem de ser pobres e se transformem em pessoas da (adivinhe)... "classe mérdia", a mesma classe que permite que seus pertencentes tenham uma melhor condição de vida, não passem necessidades e sejam mais felizes. Estar na classe média significa não mais estar em situação de carência severa e correndo os riscos da chamada vulnerabilidade social. 

Então, se é bom ser classe média, porque criticar? Não seria legal se não existissem mais pobres e todos eles fossem de classe média? Lógico. Esse seria o ideal. E só um insano poderia achar que não. O que acontece é que, pessoas da própria classe média têm uma certa dificuldade de entender que não faz sentido se valorizar a pobreza e imputar à classe média a culpa pelas mazelas sociais. Não faz sentido achar que porque existe uma classe C em melhores condições que uma classe D, a C roubou a D. Nesse caso, todos nós de classe média, sem distinção, temos culpa da pobreza das classes inferiores.

Com efeito, beira até a estupidez intitular a classe média de "classe mérdia". Se o o nível de renda da população mais pobre se elevou e isso é legal, então qual o sentido de criticar a classe à qual eles (os pobres) passaram a pertencer agora? E se quem nasce classe média tem vícios por isso, porque seus novos integrantes não teriam? Como eu comentei, cada indivíduo cresce subordinado à sua condição. Para o rico é natural viajar de avião. Para o classe média é natural viajar de carro e para o classe pobre é natural viajar de ônibus. As pessoas crescem acostumadas, mas isso não quer dizer que elas, em algum momento, não queiram ter mais do que o que já possuem. 


Eu odeio a classe média!

Em 2013, a filósofa Marilena Chauí, em um de seus pronunciamentos, no lançamento de um livro petista, proferiu a célebre e polêmica frase: "Eu odeio a classe média!". Marilena foi bastante aplaudida pela platéia, esta, ao que tudo indica, formada por pessoas de classe média (e não por pessoas vindas da favela, como é possível ver no vídeo), que aparentemente gostou. Pouco  tempo depois se descobriu o quanto a filósofa ganhava por mês. Que maravilha. Alguém que ganha esse montante, independente dos motivos, está longe de pertencer à classe C ou D (como eu e provavelmente você, que está lendo este artigo). Descobriu-se, então, que a filósofa era, no mínimo, classe média também.

Marilena, no discurso, explicava dentro de sua percepção o que entendia por classe média e assim justificava o porque de sua suposta rejeição pela sua própria camada social (um discurso que não convenceu muita gente mais esperta). Não dá para acreditar nos críticos da classe média, que são classe média, usufruem dos benefícios de seu posicionamento social e a negam como se preferissem ter nascido com menos recursos e sem acesso a uma boa escola, curso superior, carro, smartphone, internet e tudo o mais que sua atual situação financeira pode permitir. Ser representante da revolução assim, ficou fácil.


Eu quero ser classe média!

Esta noção de que a classe pobre é íntegra, impoluta e sem vícios na sua essência é totalmente incorreta. Exemplos de pessoas que acederam a uma classe mais alta, vindas da classe pobre, nos mostram o quanto é verdadeira a ideia de que a população em geral tem uma tendência natural a ser consumista. Os exemplos mais comuns estão nas áreas artística e esportiva. Jogadores de futebol e cantores de música popular, assim que passam a ter melhor poder aquisitivo, investem em cirurgias plásticas, roupas, casas, carros, equipamentos eletrônicos, festas de arromba e tudo mais de bom que o dinheiro possa comprar. Elas não estão erradas. Não estão fazendo vergonha à nossa espécie humana. Estão apenas obtendo coisas que possam lhes trazer conforto e felicidade e que nunca tiveram a oportunidade de adquirir. 

Se uma parte da população se incomodou porque os pobres passaram a pegar avião ou a entrar em boates, quem se importou não foi a classe média, mas uma parte dela. Eu, particularmente, não me importei porque os pobres passaram a viajar mais ou compraram carro de passeio ou passaram a frequentar mais os shoppings. Como eu, sei que muita gente não nutre essa birra atribuída à classe média. Não vale generalizar.

E mais: quem subiu de posição na estratificação social não vai querer descer. Portanto, diante da primeira possibilidade de que isso aconteça, os ex-pobres vão se manifestar. E vão bater panela. Ninguém vai querer aceitar a ideia de que agora, o sonho acabou. Que a possibilidade de viajar e conhecer os lugares que só se via na TV e de comprar aquele eletrodoméstico de última geração se desfez para sempre. Assim, a fidelidade ao seu candidato ou partido político só vai durar enquanto durar sua melhoria de vida. Fora isso, não tem ideologia.


Concluindo

Só os pseudo-revolucionários devem achar que as pessoas têm que passar por uma vida de privação. Ninguém quer isso. Na única vida que têm, as pessoas querem mais é ser felizes. Não quer dizer por isso que elas se tornaram mesquinhas e passaram a pensar só nelas. Elas podem aplicar o dinheiro que passaram a ganhar a mais em alguma causa social ou na melhoria de vida dos familiares e amigos. Isso é pessoal, mas, com certeza, não vão deixar de usufruir do que o seu novo padrão de vida pode agora lhes proporcionar. E (tirando a questão cultural) vão se portar, no final das contas, como se porta a maior parte da classe média tradicional: usufruindo da vida, consumindo e reivindicando os seus chamados "direitos".

Quando a humanidade evoluiu mais, depois da invenção da escrita, do avanço das relações comerciais, da revolução industrial, as possibilidades de satisfação pessoal se multiplicaram bastante. E com o aprimoramento dos meios de comunicação, mais e mais pessoas tiveram acesso à informação sobre o que existe no mundo, inclusive sobre os produtos de consumo. Natural que elas cresçam informadas sobre essas coisas e desejando ter essas coisas. A classe pobre não fica fora desse contexto, apenas não possui (ainda) a capacidade de satisfazer seus desejos de consumo como possui a classe média tradicional. 

Ok, existem pessoas na classe média que não valem um centavo, mas isso não é privilégio dela. Em outras classes também temos pessoas de caráter, no mínimo, questionável, e que, em algum momento, vão demonstrar, afinal, são seres humanos. 

E, ainda, é bom entender que, as pessoas não são ruins porque têm anseios ou ambições. Isso é algo muito natural para o ser humano. O pobre, que tem o mesmo direito de ter desejos de consumo como qualquer pessoa de outras classes sociais, também iria se sentir mais feliz se tivesse a oportunidade de realizar esses desejos. 

Então, não vale reclamar da falta de distribuição de renda no país, dizer que os pobres deveriam ter mais direitos e oportunidades, querer que eles melhorem de vida e, ao mesmo tempo, ficar criticando a "classe mérdia". Para quem está em situação financeira precária, a única maneira de vislumbrar uma melhora é se tornando classe média (que segundo o governo Dilma, é a partir de 300 pilas por mês, por pessoa). 

Enfim, ricos, médios e pobres podem ser boas ou más pessoas e isso depende apenas de seu perfil. E ricos, em certa medida, exploram sim os pobres, o que não quer dizer que façam isso obrigatoriamente. E as pessoas que criticam a "classe mérdia" esquecem, nessa história, que ainda existe o governo que é quem mais explora toda a sociedade, e é quem cria, de fato, as distorções sociais. E se você ainda leva a sério quem utiliza a expressão "classe mérdia", meus sentimentos. Eu já não levo a sério há bastante tempo. 

Forte abraço.



Referências e leitura complementar:

Exame - Afinal, quem é classe média no Brasil?
Escola de Governo - A nova classe média
G1 - Com renda classe média, trabalhador só faz o básico
G1 - Classe média tem renda entre R$ 291 e R$ 1.019, diz Governo
Mercado Popular - Classe média
Mercado Popular - Não foi o PT quem tirou 36 milhões de pessoas da miséria
Como descobrir sua classe social
Wikipedia - Nova classe média no Brasil
Carta Capital - A nova classe média existe?
Carta Capital - Brasil eleva IDH em 2013
O Globo - IPEA mostra que aumentou o número de miseráveis no país em 2013
Scielo - Quem é Classe Média no Brasil? Um Estudo sobre Identidades de Classe
Thiago Rodrigo - Faixas salariais / Classe social / ABEP/IBGE
Mises - O que realmente permitiu o grande crescimento econômico brasileiro da última década
Mises - O trágico legado da "Nova Matriz Econômica"



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